Saiu pela porta das traseiras. Nem se deu ao trabalho de olhar para trás. Não aguentava nem mais um minuto dentro daquela casa. As discussões cada vez mais frequentes tornaram-se insuportáveis. Quando já não se sabe a razão por que se discute, é porque algo está verdadeiramente errado. E, na esperança de conseguir guardar dentro de si algumas das boas memórias do passado, saiu. Os berros foram abafados pela distância que os seus passos criaram, até que os deixou de ouvir.
Ele não foi atrás dela.
Sozinha caminhou durante horas. Atravessou o campo e sentou-se na paragem de autocarros. Entrou no primeiro que apareceu sem ver o destino. Dentro do autocarro estava apenas uma velhinha e, lá bem no fundo, outro vulto qualquer. Com a cabeça encostada à janela, enroscou-se no seu lugar e chorou um choro silencioso. As lágrimas corriam-lhe pela cara e nela secavam. Os últimos dias tinham sido os piores, já nem se lembrava da última vez que se sentira em paz e, lentamente, deixando-se vencer pelo cansaço, adormeceu.
Acordou ao sentir os primeiros raios de sol acariciarem-lhe a cara. Não sabia onde estava e não tinha a intenção de saber. Assim que se endireitou no seu lugar, reparou que alguém se tinha sentado ao seu lado enquanto dormia. Ainda ensonada, olhou para o lado e cruzou o olhar com o outro viajante. Um rapaz, provavelmente da sua idade. Voltou-se imediatamente para a frente, na tentativa de esconder o embaraço de acordar com um estranho, de olhos cor de água, a observá-la a dormir.
Algum tempo passou até que o motorista anunciou a próxima paragem como sendo a última, pedindo assim a todos os passageiros que se retirassem. Encontrou-se no desconhecido, nem sequer se deu ao trabalho de procurar uma placa que indicasse a localidade. Ficou parada enquanto via o autocarro ir-se embora levando dela apenas as lágrimas que caíram no assento. Voltou a si quando reparou que tinha uma mochila a seus pés e ao erguer a cabeça ouviu: - "Olá, não te assustes! Reparei em ti quando entraste no autocarro. Parecias transtornada. Vi que choraste quase a viagem toda... Não sei se tens destino e sei que sou um estranho para ti... Não conheço este sítio e tu também pareces não conhecer. Vamos conhecê-lo juntos?" - . Não sabendo o que estava a fazer, respondeu: - "Tudo bem. Vamos."- . Se calhar foram os olhos. Nunca tinha visto uns olhos assim, pareciam capazes de ver tudo o que ela tinha dentro de si; ou talvez tenha sido a forma segura como o rapaz falou, mas pareceu-lhe natural seguir um estranho que se tinha sentado ao lado dela num autocarro.
Juntos começaram a andar pelas ruas estreitas e vazias da pequena vila. Durante muito tempo seguiram em silêncio até que o rapaz parou e lhe pediu para esperar um pouco. Entrou no que parecia ser uma loja de antiguidades e ao sair ofereceu-lhe um pequeno embrulho. Lá dentro encontrava-se uma caixa muito bonita, apesar de gasta pela tempo, e quando ela a abriu, não conseguiu conter a emoção. Uma música suave envolveu o silêncio da rua e envolveu-a a ela como se de um forte abraço se tratasse. Como é que este estranho, com o qual se sentia estranhamente confortável, sabia que uma simples caixinha de música era algo que ela há muito desejara ter?
Continuaram a caminhar. Não precisavam de dizer nada, os silêncios podem ser mais fortes do que meras palavras. Sempre acreditou que só se ama verdadeiramente alguém quando se é capaz de partilhar o silêncio sem que este seja estranho ou desconfortável... Ter alguém ao nosso lado e deixar cada um ouvir o que quer. Não amava um estranho, mas sabia que algo de transcendente lhe estava a acontecer e deixou-se levar.
Foram dar a uma pequena praia e sentaram-se na areia a contemplar o mar. Não sabiam os nomes um do outro, não sabiam de onde vinham nem para onde iam. Sem bagagem do passado, apenas sentiam o presente. Sentados lado a lado, imaginavam as histórias que os fizeram chegar até ali. Ela pegou na caixinha de música e pô-la a tocar. Tão bem que combinava a música com a bater das ondas nas rochas. Aproximaram-se um do outro, ela encostou a cabeça no ombro dele e assim se deixaram estar.
Provavelmente até à eternidade.
terça-feira, dezembro 03, 2013
domingo, dezembro 01, 2013
Tout Doucement
Coleccionas trocas de amor.
Deixas-te levar por encontros efémeros
enquanto preenches um vazio que nem vazio está.
Diverte-te, dizem.
Divirto-me e vou divertir mais.
A epifania só chega com o tempo.
Não avisa, nem vem quando se procura,
mas depois de se estranhar, entranha-se.
Aqui, agora, é onde quero estar.
Estar leve, estar livre.
Estou comigo.
Há muito que não me sabia encontrar.
É agora que te formas.
É agora que descobres o que queres.
É agora que tens a escolha.
Tout doucement.
Deixas-te levar por encontros efémeros
enquanto preenches um vazio que nem vazio está.
Diverte-te, dizem.
Divirto-me e vou divertir mais.
A epifania só chega com o tempo.
Não avisa, nem vem quando se procura,
mas depois de se estranhar, entranha-se.
Aqui, agora, é onde quero estar.
Estar leve, estar livre.
Estou comigo.
Há muito que não me sabia encontrar.
É agora que te formas.
É agora que descobres o que queres.
É agora que tens a escolha.
Tout doucement.
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