Cada vez mais penso que penso demais.
Meti-me no carro e fui ter contigo à praia. Estava escuro e demorei algum tempo a encontrar-te. Pensei até que te tinhas cansado de esperar e que te tinhas ido embora sem dizer nada. Havia um direito legítimo para o fazeres. Afinal de contas, não te dei nada, só tempo de espera.
Contra todas as expectativas, lá estavas tu. Sentado à beira-mar a fazer rabiscos na areia. Gorro da camisola na cabeça. Estavas igual a como te tinha deixado da última vez. E custou-me tanto virar-te as costas nesse dia. O meu único desejo era ter adormecido no teu peito. Não sigo os meus desejos muitas vezes, prefiro deixar que o arrependimento se apodere de mim. Método de tortura perfeitamente evitável? Sim, mas não para mim. Porquê? Sei lá.
Fui-me aproximando devagarinho. Tinha medo que os meus passos te assustassem e apagassem a fotografia viva à minha frente. Senti a passagem da imagem para aquela parte do cérebro que guarda as nossas memórias e que por força das sinapses, me iria sempre poder levar de volta a este quadro. A luz da lua iluminava parte da tua cara. Tive de parar por uns segundos. Sentei-me a uns metros de ti e tu nem me sentiste. Não te conheci em criança, mas vi-te pequeno ali, à minha frente. Pegavas em conchas que desfazias com os dedos. Passavas os dedos pela areia e escrevias algo que, com a palma da mão, de imediato apagavas. Pudesse eu mostrar-te o que via... Perfeição que só a minha lente ocular captava. Egoísta. Quero este plano só para mim.
Sentei-me atrás de te ti. Envolvi-me em ti. Agarrei-te com tanta força que se viesse uma onda, éramos levados assim, num infinito abraço. Eu não queria dizer nada. A procura das palavras certas é muitas vezes infrutífera e, neste caso, comunicar em silêncio fazia mais sentido do que qualquer cálculo matemático.
Corpo contra corpo, senti quando te arrepiaste no momento em que, ao de leve, passei os meus lábios pelo teu pescoço.
Corpo contra corpo, sei que me sentiste estremecer quando passaste os dedos pela minha perna.
As nossas mãos encontraram-se, entrelaçaram-se e fizeram com que te virasses para mim. Acho que nunca nos tínhamos olhado desta maneira. Como um livro aberto, estava ali tudo o que éramos, espelhado nos nossos olhos. Espelhado um para o outro. Vi-me em ti, nua de qualquer segredo.
Encostei a minha testa à tua. Tocaste no meu nariz com o teu. Uma sequência de movimentos tão lentos que parecia que alguém nos controlava, como que a editar a velocidade dos movimentos num filme.
O beijo que se seguiu levantou-nos do chão. O meu corpo cedeu por completo ao sentir o meu peito encher-se com aquela sensação tão difícil de verbalizar, aquela sensação de que o mundo deixou de girar e só nós existimos e só este momento existe e só isto importa e és só tu quem eu quero.
E esse beijo durou para sempre.
Quem não acreditar, que pergunte ao mar, que nos olhou até ao sol nascer.
Que pergunte à areia que sentiu as nossas pegadas deixarem marcas em forma de infinito.
Que pergunte ao mundo por que parou de girar.
Que peça uma fotografia à lua.
Quem não acreditar, pouco importa.
Passado. Presente. Futuro.
Tudo o que eu fiz... Foi deixar de pensar.