sábado, março 19, 2016

Cometa

Os papeis colados na janela estão a perder o seu aspecto normal por causa da humidade. Estranhamente só aconteceu este ano. Há uns papeis que estão ali pendurados há tanto tempo e nunca mudaram de cor... Este foi o ano. 
Estou a falar de papeis, mas o que me trouxe aqui hoje, não foi o papel húmido. Não foi a vontade de registar de forma mais permanente o que neles fui escrevendo. O que me trouxe aqui foi a história que me contaram. 
Por causa dessa história voltei a ver-te. 

Diz-se que antes de morrermos, vemos a nossa vida toda passar-nos à frente dos olhos. Nos filmes esse momento é retratado como uma rápida passagem de imagens com aquilo que é considerado mais importante para a personagem prestes a perder a vida. Gosto de acreditar que é isso que acontece antes de morrermos. Em vez de sentirmos medo, dizemos adeus ao mundo revivendo aquilo que melhor nos fez ao longo da vida. Assim sim, iremos (provavelmente) em paz. 
Acredito que haja outros momentos em que temos o privilégio de assistir a uma montagem cinematográfica de pequenas partes da nossa vida feita por nós e só para nós. Porque é que o nosso cérebro nos sujeita a tal? Por muito que ir buscar memórias recônditas de um tempo diferente do presente possa ser bom e nos estampe sorrisos na cara, pode também trazer a saudade. A saudade desses tempos que já lá foram e não, não há nada que possamos fazer para voltarem. Já foi vivido, está despachado. A sensação de saudade tanto pode ser desesperadamente boa, como desesperadamente inútil, irreal e guiada por picos de sensibilidade XXL. 
Seja por que razão for, venha por onde vier, é nostalgia e não lhe vou chamar outra coisa mesmo que tenha a sensação de me estar a deixar levar por um momento de total fraqueza.

Hoje fiz um filme contigo. Apareceram-me imagens na cabeça que já não via há anos. Imagens que já nem sabia ter vivido. Voltaram, vieram, chegaram, entraram. Sabes o que aconteceu? Dei por mim a limpar lágrimas dos olhos. Parecia fazer sentido sentir-me assim, mas por outro lado, não fazia sentido nenhum. Estás tão longe. Está tudo tão longe, tão dito, tão ultrapassado. Quase que te liguei. Pelos velhos tempos, quase  que peguei no telefone. O que te diria? Não faço a mais pequena ideia. Só sei que naquele momento, qualquer coisa faria sentido.

O momento passou. Fui acordada pela realidade. Uma realidade real. Sem fantasmas do passado. A euforia momentânea que invadiu o meu corpo, desenterrou-me do buraco na terra no qual me estava a afundar. Nunca vais saber que o fizeste. Não to vou dizer porque só te deixaria preocupado.

Como um cometa. Esperei. Quase que pedi. Passou por mim e ateou as entranhas que dele sempre de alguma forma se alimentarão. Mas desapareceu agora.

Fraquezas. Teremos todos sempre. Gostava de te ver, não minto. Talvez dizer-te... Que nunca como crianças.