Alucinação.
É assim que crescemos agora.
Sonhei com os teus olhos. Estavam verdes, castanhos e azuis. Não, não havia vinho pelo meio. Todas as cores daquele sonho estavam a ser transmitidas por um cérebro sem nuvens. Até fui pôr os óculos enquanto dormia. Queria ver melhor o que os meus olhos fingiam olhar. Abri o armário e lá estavam eles, os olhos verdes. Olhavam para mim com ternura, com amor, com saudade, com vontade de me ficarem a olhar para sempre. Desviei o olhar ao sentir o sabor a sal nos lábios. Vou ter um filho com olhos verdes. Sabem vocês todos que terá olhos verdes, dê por onde der. Desafiando biologias e genéticas estandardizadas.
Liguei a água do duche. Os olhos castanhos pairaram à minha frente. Olhei para eles e suspirei. Eles traziam consigo um pedido de desculpas, um nó de arrependimento, um vazio que só poderia ser preenchido se o tempo voltasse atrás. Encolhi os ombros e que o passado não volta, que as decisões foram tomadas. Disse-lhes que sempre tive pena, tanta pena. Anos de desencontros acabam por cansar e os que vivi com aqueles olhos... Foram demasiados. Nunca mais os vi, nunca mais me tinha lembrado deles. Desliguei a água. Evaporaram à mesma velocidade em que os espelho se desembaciou.
Abri a porta de casa e entrei no elevador. Depois de carregar no botão olhei para o espelho e vi os olhos azuis. Inocentes, infantis. Idolatração, paixão, brincadeira. O que faltou para me conseguirem olhar sem medos? Perguntei ao olhos o que lhes tinha acontecido. Se estavam bem, se precisavam de falar comigo, se queriam voltar atrás. Silêncio. Olharam para baixo e antes que saísse do elevador, foram eles que desapareceram. Não me consegui mexer mais. Fiquei naquele elevador. As portas abriram-se vinte vezes antes que conseguisse sair. Os olhos não voltaram.
Alucinação.