terça-feira, junho 09, 2020

A carta que nunca te vou escrever

Tu foste-te entranhando em mim aos poucos.

As trocas de olhares começaram numa qualquer noite no Lux. Eu dançava e dançava. Sabia que te querias aproximar. Aproximava-me eu. Pouco. Muito pouco.

Faísca. Medo.

Uma noite ou outra levou-nos a que me levasses a casa. Falámos muitas horas, não foi? Tantas horas dentro de um carro. A falar.

Faísca.

O lanche para te ajudar a traduzir partes da inscrição para o mestrado em D. Que nervosos estávamos quando saí do trabalho e te vi ao fundo ao pé do carro. Esse foi o nosso primeiro date sem querer, ou melhor, querendo, mas sem o mencionar. Lembro-me que no final me querias dar boleia para casa, mas eu disse que não e… Afastámo-nos um do outro deixando um enorme espaço em branco para um beijo.

Faísca.

Muitas mensagens. Muitas trocas de músicas.

Faísca.

A caminho do trabalho a ouvir Kendrick e sentir um sorriso rasgar-me a cara, porque estava a pensar em ti.

Faísca (que saudades).

Quando saímos do Bliss e nos deitámos no meio do nada em cima de umas pedras brancas. Nem eu, nem tu, tivemos coragem para fazer o que queríamos.

Faísca (tanto tempo a passar).

Eu vou ouvindo os teus planos, tu vais ouvindo os meus. Vais e voltas. Falamos e não falamos. 

Faísca.

Acho que estava a sentir algo really, really real e isso influenciou todas as minhas atitudes pouco saudáveis.

Faísca (isto pode ser especial?).

No dia e na noite em que trouxeste a garrafa de vinho branco. Em que me tentaste mostrar True Detective e eu não me conseguia concentrar. Fase de crises de ansiedade. Fase de medo de mim mesma. De tudo o que estava a acontecer na minha vida ao mesmo tempo. Tudo o que se estava a passar fez com que te deixasse passar também. Não te vi e não deixei que tu me visses. Senti-me muito insegura nessa noite em que quase te expulsei de minha casa. Estava a lidar com crises de ansiedade diárias. Com o final do curso. Com a despedida da Z. Deixei que te perdesses no meio de tudo isso e não te deixei entrar o suficiente para me ajudares. Acho que devo ter tido medo de te aborrecer. Sempre tive medo de me mostrar frágil. Digo-te hoje, nunca me senti tão frágil ou perdida de mim mesma como nessa altura.

Nevertheless, faísca. First kiss.

Dois miúdos que não souberam ver? Eu deixei escapar tudo. Para variar, pensei demasiado. Não me deixei levar. Tu também não, sejamos verdadeiros.

Naquela noite em que ambos dissemos: “finalmente” podia ter sido a primeira de muitas noites. Racionalizei outra vez. Tu, em poucas horas, também quiseste definir o que se estava a passar entre nós e isso matou-me um bocadinho. Foram muitas processos cerebrais errados. Acho que devíamos ter pensado menos, sabes? Acho que teria sido giro. Talvez ainda estivesse a ser. 

Sabes o que me fez reviver a história? Ver a tua gravação para a o vídeo do T. Eras tu ali a falar. O teu jeito tímido. O teu olhar. Aqueles 30 segundos estavas a falar para mim. Apeteceu-me ter-te ali ao vivo à minha frente, sentado no sofá, como antes, e ver-te sorrir enquanto eu te contava mais uma das minhas histórias. Contei-te tantas histórias minhas... 

Senti a faísca outra vez. Fizeste-me sorrir. Gosto da tua cara, da tua calma e da tua confiança disfarçada.

E como nunca te vou escrever esta carta, não será tarde dizer-te que sempre gostei de ti.