sábado, junho 25, 2022

Fila do supermercado

Conversas sobre os exames nacionais. Partilham-se ideias, notas, decisões tomadas. Olho para elas, para o cabelo esticado na perfeição, para a mala (provavelmente cara) pendurada no ombro e para as merdas que estão a comprar para comer. Gostava de lhes dizer que há coisas que vão perder importância com o passar do tempo e outras tantas que se vão tornar importantes. Gostava de lhes dizer para largarem as preocupações, que o tempo as vai ajudar a chegar onde devem chegar, não precisam de pensar tanto. 
Não precisam de pensar tanto, nem tão estupidamente. 
Não digo nada. 
Espero a minha vez. 

quinta-feira, junho 23, 2022

Wicked game

Para ela foi tudo. 
A natureza da miúda não permitia que tivesse sido de outra forma.

Para ele foi quase nada.
Um rabisco no caderno de experiências.

Agora que ela o sabe, 
agora que a verdade foi cantada,
ele perdeu-a. 
Perdeu-a sem saber que alguma vez a teve.

As antigas canções de amor falam de uma forma que bate mais cá dentro. 
Porque, como dizia o outro, "antigamente é que era bom".

Ei, saudades tuas, outro. 
Ias sorrir como eu estou a sorrir agora se lesses isto. 
Mágico como as linhas de pensamento mudam.
Mágico para onde esta conversa me levou. 
Só eu sei. 

sábado, junho 11, 2022

Qual é a tua ideia?

Dizeres que vens e que vais.

Qual é a tua ideia?

Mostrares vontade de me vires dares um beijinho?

Qual é a tua ideia?

Passarem os dias e não dares notícias.

Qual é a tua ideia?

Mexeres comigo um bocadinho outra vez.

Qual é a tua ideia?

Não te posso dar nada.

Qual é a tua ideia?

Esta história já foi escrita.

Qual é a tua ideia?

Eu nunca acreditaria.

Qual é a tua ideia?

Nós nunca faríamos sentido.

Qual é a a tua ideia?

Já passou demasiado tempo, sei demasiadas coisas sobre ti.

Qual é a tua ideia?

Por favor, nunca mais roubes nenhuma ideia de mim.

sexta-feira, junho 10, 2022

Farô x 3

Queres esperar aqui pelo teu voo?

Finde es eine schöne Idee. 

Atirar objectos para dentro do armário. 
Vestir umas calças e um top.
Não este preto, não. Demasiado "anda cá".
Merda, está tudo desarrumado. 

Hey, habe gerade ein Uber bestellt. 

Tenho gelo. Pouco. Chega para o gin. 
Loiça para dentro da máquina de lavar. 
Fechar a porta do quarto. 

Espelho.
Boa cor de pele. Cabelo fixe. Tão comprido.
 
Bin schon unten.

Histórias desbobinam-se.
Que olhos. Que cor.
A intensidade com que focas os teus olhos nos meus enquanto falas.
Eu também sei jogar esse jogo. Cuidado. 
Focamos. Sorrisos. 
Gin de lado.
Tocas-me na perna. 
Aproximo-me. Um bocadinho só. 
Ensino-te palavras em português. 
Tu repetes. És cute.
Olho para baixo a sorrir. 
Beijo. 

Dou-te a mão e levo-te para o quarto. 
Agarras-me por trás e começas-me a tirar a roupa. 
Segue-se a descoberta de um talento difícil de ignorar.
Habilidade, maestria, aptidão?
Arrepio. Contorção.
Não sei quem és, não sei se te vou ver outra vez,
mas flashes do que me fizeste ainda não pararam de invadir a minha cabeça.

Warum lachst du denn?

Fizesses tu ideia do dom que vive em ti.

domingo, junho 05, 2022

Impecável

Costumas vir aqui?

Sim, costumo estar no meio da rua, entre multidões de pessoas, enquanto música popular é cantada de uma varanda e o ar está envolto de cheiro a sardinhas. 

Impecável...

quarta-feira, junho 01, 2022

Máquina de escrever

Lembro-me que tinha uma máquina de escrever quando era pequena. Era azul e amarela com teclas vermelhas. Não sei que idade tinha quando a recebi, nem guardo memórias de alguma carta escrita na dita máquina. Lembro-me de ser chato de usar. Bastava um erro para arruinar toda uma folha. Sim, porque quando escrevemos à máquina também procuramos algum tipo de perfeição. Só tenho memória disso. De ser chato. O que aconteceu à máquina? Onde a guardava? Quanto a usei? Não sei. Talvez pergunte aos meus pais. Talvez eles façam ideia. 

Quem queres iludir? É óbvio que eles não sabem. O meu pai sempre alheio à realidade. Via-nos, mas nunca olhou para nós. Para mim e para o meu irmão. Nós estávamos lá. Presentes naquela casa, mas sem sermos vistos. Fazíamos coisas todos juntos, ríamos e fortalecíamos ligações em momentos esporádicos a caminho de Viseu, mas o essencial de cada um de nós... Não, isso não. Isso ele nunca quis ver. Falta de capacidade? Atenção? Preocupações com êxitos académicos, a correcta conjugação de verbos, a falta de plural no verbo haver, a resposta exageradamente detalhada a todas as perguntas, a possível oferta de vinte CD's caso adivinhássemos o artista de determinada música.... O meu pai é uma personagem. Disse-lhe hoje que um dia podia escrever um livro sobre ele. Já é o segundo livro que digo querer escrever. O livro com a história da Z. e um livro sobre o meu pai. Enfim. Pais. 
Os meus pais fizeram tantas coisas mal, mas outras tantas, bem. Havia uma casa, havia tudo o que nós queríamos, havia pouco controlo. Nos anos mais complicados de um adolescente e mesmo na pós-adolescência, quando vivemos um momento crucial de descoberta de quem somos, do quem e o que queremos ser. Um momento em que a orientação certa pode ter um impacto forte no futuro. Eu e o meu irmão não tivemos orientação. Tivemos de nos orientar sozinhos. A liberdade imposta e a cegueira dos nossos pais foram-nos deixando ir. E nós fomos e o meu irmão soube fazer as coisas, ou melhor, ter a noção do que tinha de fazer, melhor do que eu. Eu andei perdida durante tanto tempo e ninguém me deu um estalo na cara. O estalo foi-me dado pelo tempo, pela vida. Acordei, comecei a mexer-me e a fazer o que tinha de fazer para me libertar totalmente, para me transformar em mim. Perdi muito tempo. Será que teria perdida todo esse tempo se tivesse recebido a tal orientação e um bocado de tough love? Não sei. Não é importante agora. Agora está tudo bem. 
Agora guardam-se memórias, tiram-se conclusões sobre as razões de sermos como somos e, de certa maneira, culpa-se os pais. Eu nos os quero culpar. Sempre foram duas crianças a lidar com a vida e será assim para sempre. Se um dia tiver filhos, sei exactamente como não vou ser com eles, que atitudes não vou ter e como quero lidar com os desafios que educar alguém impõe. É difícil. É muito mais difícil do que se imagina e, independentemente dos livros escritos, ninguém sabe bem o que está a fazer. Por isso digo, sei o que não vou fazer. O resto é surpresa. É importante que a pessoa com quem escolhemos fazer bebés tenha ideias e ideais parecidos com os nossos, para que se trabalhe em equipa. Acho que em equipa tudo vale a pena. Se os pais souberem conversar, discordar e rir sobre o ser que estão a ajudar a crescer, tudo se torna mais fácil e fluído. Se um dia tiver bebés, gostava que fosse com uma pessoa que queira também formar essa equipa comigo, que saiba gozar com o puto e com as nossas falhas, que veja as coisas a sério, mas também a brincar. Isto é tudo um jogo onde não se conhece o final. Que se aproveitem bem os desafios. 

Comecei a escrever sobre a minha máquina de escrever, não foi? Uma coisa leva à outra e de repente estamos numa outra Ebene de ideias e assim, sem saber ler nem escrever, a cada dia que passa consigo explicar melhor a minha tatuagem.