sexta-feira, julho 22, 2022

Chão e Alcatifas

Há 8 anos atrás sentaste-te no chão na casa de Viseu. Recusaste um jantar. Recusaste sair e sentaste-te no chão. Jeff Buckley nos ouvidos. Um caderno e uma caneta no colo. 
A letra da "Lover, you should've come over" escreveu-se no caderno e entranhou-se em ti. Unhas cravadas na tua pele. Abriram um portal para o teu interior e fizeram com que te deitasses no chão. Aquela alcatifa castanha abraçou-te e tu deixaste-te ficar ali durante muitas horas. Não sabes quantas. Não havia mais nada ali. Não havia mais nada no teu mundo. Estavas a ser consumida por um vazio tão grande que não eras capaz de dar o menor dos teus passos em direção a algo que te salvasse. Não sabias como. A dor daquele vazio era tão forte que a sentias entranhar-se em cada centímetro do teu corpo. A tua garganta estava fechada com um nó tão apertado que às vezes até te custava respirar. 

E hoje?

Hoje relembras este momento sem vontade de voltar a vivê-lo, mas com algum carinho, por ter sido o primeiro. Se não te tivesses rendido ao chão todas as vezes que tiveste de te render ao chão, também não terias deixado que o teu corpo passasse pelos processos de purga. Foram vários os pedaços de chão que te abraçaram por diferentes razões, em diferentes momentos da tua vida. Só sentes que uma casa é tua quando passas por esse processo no novo chão. Aí sim, encontras o conforto do espaço e a segurança que, dali, não passas. É só deixar o tempo andar. Eventualmente levantas-te e segues a tua vida, mas tens sempre um chão, um tapete, uma alcatifa onde as lágrimas das tuas lamúrias caem e secam. 

Esta casa?

Esta casa já te viu no chão. Viu-te cair. No dia em que abriste a porta de casa com as lágrimas já a querem sair. Lembro-me como deixaste tudo cair e te deixaste cair com tudo. No chão. Estava frio e tu ali ficaste. De casaco vestido. Botas calçadas. A ver um charco de lágrimas formar-se na madeira. Esse foi o momento em que sentiste esta casa tua. 

Se as paredes desta casa falassem... Descobriste tanto de ti aqui. Até a Alice encontraste enquanto habitavas este espaço. E queres ouvir um segredo? 

You can't always get what you want
but if you try sometime, well, you just might find,
you get what you need!

sábado, julho 16, 2022

Gostava de usar o teu nome nas costas

Vestir a tua camisola antiga, no dia seguinte, de manhã cedo.

Aquela do clube em que jogavas quando eras pequeno. 

Gostava de ir almoçar contigo numa
esplanada ao sol. 
Com vista para o lago, 
com vista para as árvores, 
com vista para ti. 

Como aquela miúda loira usava o nome dele, 
gostava eu de usar o teu nome nas costas.

terça-feira, julho 05, 2022

Deambulando apaixono-me

Pela miúda que me atendeu no Starbucks do aeroporto.

Pelo rapaz no mercado de rua. 

Pelo sorriso da mulher que me disse bom dia ao sair da escola. 

Pelo gajo dentro daquela loja de roupas. Que perfil, que jawline, que olhar. 

Pela simpatia da Ivonne.

Por aquele gajo no parque das montanhas.

Pelo bigode irritante do gajo no comboio. 

Pela cor dos olhos da miúda sentada à minha frente no avião. 

Pela presença presente dos putos e por me terem lembrado que sou uma criança. 

Pelo gajo que vageou sozinho pelo palco.

Pelas coisinhas brancas que voavam por todo o lado.

Pelo pai, o filho e o avô a darem toques na bola. 

Pela forma como o R. disse: "confia em mim".

Pelos arrepios que as mãos fizeram o meu corpo produzir. 

Pelo livro que ninguém me disse para ler. 

Pelos shining eyes para os quais o D. me alertou.

Pelos novos caminhos que descobri querer escrever.

E um dia

vou-me apaixonar por ti. 

sexta-feira, julho 01, 2022

Apaixonada

Apaixonada pela palavra APAIXONADA.

APAIXONADA apaixona-me o cérebro.

O cérebro de um apaixonado sofre de uma moca natural e constante.

É habitado por uma neblina saudável(?).

Apaixonada por ti.

Apaixonado por mim.

Acho que me estou a apaixonar por ti.

Uma apaixonado também se esconde.

Uma apaixonada pode não perceber. 

Apaixona-me essa paixão que tens por gestos mundanos.

Se me apaixonar...

Depois de te conhecer...

Fim da vida como a conheço. 

Apaixona-me.

Apaixono-me devagarinho por ti.