O dia estava cinzento. Não que isso importasse. Todos os dias estavam cinzentos desde há uns tempos para cá. Mesmo com o sol a brilhar lá fora, as nuvens tinham agora lugar cativo dentro de ti.
Antes, quando te sentavas no teu sofá de manhã a beber café, ouvir música e a deixar o sol aquecer-te a cara, sentias uma paz profunda. No entanto, sempre soubeste que essa paz era efémera e que te podia ser roubada a qualquer instante.
Não gostas desta capacidade (característica? aptidão? idiossincrasia?). Sempre te causou algum receio. Por muito que às vezes pareça que o desejamos, nós não queremos ver o futuro. Nós não queremos saber o dia de amanhã. Só nos causaria dor (desalento? desespero? agonia?). Cada vez mais achas que tens em ti uma percepção distinta das pessoas e do mundo à tua volta. Isto não é necessariamente bom. Acabas por carregar um fardo desnecessário. Talvez por isso te tenham aconselhado uma trip de cogumelos mágicos de quando em vez. A inteligência emocional sobrecarrega-te. Será que todos partilham de tanta empatia pelos sentimentos e emoções dos outros como tu?
A resposta é insignificante.
O que agora sabes permite-te atravessar os trilhos impostos pela vida com, não diria mestria, mas uma agilidade que ganhaste a percorrer os trilhos anteriores. Não necessariamente mais fáceis, mas certamente com um nível de complexidade bastante inferior. Agora tens bagagem, tens cartas na manga e sabes melhor como funcionas para te tentares proteger das constantes armadilhas. Sim, quando somos mais novos temos problemas e desafios ininterruptos. Achamos que nada poderá ser pior, que não saberemos lidar com isto ou com aquilo no futuro. Não sabemos nada. Os problemas e desafios ininterruptos acompanham-nos sempre e tornam-se cada vez mais complexos. A nossa capacidade para lidar com tudo é que é inevitavelmente maior.
Navegamos pela vida enquanto aprendemos a navegar.
E, se tivermos sorte, habituamo-nos ao acaso, lembrando-nos sempre que esta vida são dois dias (e o Carnaval são três).