Nunca tive (ou tive e não me lembro) uma lista telefónica que não fosse digital. A minha mãe tinha uma (ou teve várias). Eu lembro-me da pequena lista telefónica verde com um desenho de um morango.
É preciso ligar a alguém, vamos buscar a lista telefónica. Nela encontramos todos os números importantes e também todos os números que se tornaram obsoletos. Vamos comprar uma lista telefónica nova? Transferir os números de telefone de uma para a outra era uma tarefa morosa, provavelmente cheia de pequenos enganos e, por sua vez, de contactos perdidos para sempre.
Hoje, nas listas automaticamente sincronizadas por contas e merdas, os números ficam gravados para sempre a não ser que os vamos intencionalmente apagar. O que terá mais impacto: renovar uma lista telefónica analógica e intencionalmente não copiar determinados contactos (e deitar fora a lista antiga perdendo assim qualquer chance de obter o número de telefone de volta) ou ir apagar digital e intencionalmente os contactos de pessoas cujo potencial presença deixou de fazer sentido nas nossas vidas? O que terá mais impacto no nosso interior? Tanto de uma forma como de outra, sabemos que existe sempre alguma forma de se obter novamente um número, mas estou a romantizar, sim. Qual a novidade aí?
Apaguei muitos números que deixaram de fazer sentido guardar. Largo números, largo pessoas e largo impulsos futuros que se possam materializar em momentos cringe derivados de fragilidades emocionais. Bem sabemos que a vida é feita de momentos em que nos deixamos levar pelas emoções. Nada de errado com isso, mas a verdade é que pouco se ganha com determinados impulsos.
Largo contactos. Rasgo uma página. Risco o nome e o número com muita força com uma caneta até que deixe de ser visível. Sim, romanticamente, antigamente é que era bom. Tudo tão recheado de simbolismo. Hoje, toca-se duas ou três vezes no ecrã e o nome da pessoa desaparece. Será tudo mais fácil ou tudo mais complicado? Será tudo mais descartável, substituível, mais banal?
Largo fantasmas. Alguns já com barbas, outros que nem à puberdade chegaram. Largo todos. Romanticamente, só assim o podias fazer. Tu.