sexta-feira, março 31, 2023

Amanhã é dias das mentiras

E será mentira

quando disser

que não tenho pensado em ti. 

segunda-feira, março 27, 2023

E assim, sem demora

E assim, 
sem demora,
enquanto se tenta fugir a simbolismos,
a orquídea dá flor.

E assim,
sem demora,
dois botões brancos brotam sem hesitação,
sem tentativa de ostentação.

E assim, 
sem demora,
os dias fazem-se mais compridos,
o sol sente-se mais quente
e os cérebros pintam melhor as suas utopias. 

E assim, 
sem demora,
demoro pouco a perceber,
que se a minha magia se juntar à tua
e soubermos desvendar o condão,
toda a prosa será poesia,
e tu,
e eu,
passaremos a adormecer
ao som do mesmo refrão. 

segunda-feira, março 13, 2023

Era uma vez uma Hera

A miúda nunca gostou de ser o centro das atenções. Desde muito pequena que se lembra de reunir esforços para se esquivar de situações que a expusessem mais do que o necessário para ser socialmente aceitável. Foi crescendo com a ideia que possuía uma falta de capacidade para se relacionar com as pessoas de uma forma normal. Se a miúda visse alguém que conhecia com distância suficiente para não se aperceberem da presença dela, procedia logo à fuga da possível ocorrência de encontro. Perdeu a conta de quantas fugas foi protagonista nos últimos anos. As conversas banais, a falta de assunto e a obrigatória cordialidade dos encontros de circunstância sempre lhe causaram alguma ansiedade. Se um encontro é infrutífero, para quê tê-lo? Para quê fingir interesse pela vida ou bem-estar da pessoa aleatória que se encontra, só para respeitarmos o fluxo natural de interações socialmente aceitáveis? 

Encontramos a miúda algures em Outubro, algures perdida pela sua cidade enquanto estas e outras ideias lhe preenchem a cabeça. Passear pela cidade sozinha tem-se tornado um hábito cada vez mais apreciado. Descobrir cantos e recantos que não conhece ainda. Perder-se por caminhos que achava já ter percorrido e acabar por ir parar a uma rua familiar sem saber como. Entendem-se geografias novas, formam-se mapas que amanhã vai esquecer. 

Passa por um pequeno café e pára. O café não tinha muito mais do que um balcão e umas  mesas quadradas. As cadeiras captaram a sua atenção. Eram exatamente iguais a uma cadeira que havia em casa da sua avó. Nunca gostou de se sentar nessa cadeira, era dura e desconfortável - ferro preto, tampo e costas de um verde que não sabe descrever por palavras. A cadeira era raramente usada. Encontrava-se na entrada da casa, encostada a um canto perto da despensa. Aquela zona da casa tinha  um cheiro característico. Ela sempre o qualificou pela presença das areias do gato, mas o cheiro subsistiu mesmo anos após a sua morte. Nunca gostou do cheiro, mas neste momento estava a senti-lo ao olhar para aquelas cadeiras verdes. Sente o cheiro e sente-se pequena, sente o cheiro e afoga-se em saudades. 

Agora estava em frente ao portão verde da casa da sua avó. A hera verde que percorria as paredes e a estrutura de metal que se formava em arco até a entrada de casa sempre deu um aspecto majestoso àquela passagem. Se nos déssemos ao trabalho de reparar, víamos. A miúda nunca contou a ninguém, mas várias vezes se imaginou a percorrer aquele corredor de flores vestida de branco. O mesmo corredor onde gravou uma das suas primeiras memórias de infância - o caixão do seu avô a ser levado para fora de casa, em direção ao portão verde (que na altura era branco). Tão depressa um cenário pode representar vida e esperança, como a morte e o momento do adeus. Dualidade maravilhosa. 

Maravilha é descobrir que Hera, rainha do Olimpo, era a deusa protetora do casamento, das mulheres e da família. Maravilha é lembrar que a hera verde sempre esteve presente à sua volta. Nos almoços de família que se prolongavam até à noite, nas corridas e brincadeiras de todos os miúdos que foram crescendo, nos banhos de sol na pequena piscina, nos medos disparatados dos cães que foram indo e vindo, nos sorrisos e gargalhadas. No choro afundado em abraços fortes no dia em que a avó da miúda morreu. 

Hoje a casa já não existe. A hera desapareceu com a sua demolição. O terreno é ocupado por um quadrado de madeira sem vida. É difícil compreender estas passagens de tempo, estas mudanças que ocorrem e que nos vão levando ao sabor de uma maré invisível até outros hábitos, até outras casas, até a um café que tem cadeiras iguais às de casa das nossas avós. 

A miúda tem aprendido a encarar a passagem do tempo e a consequente morte de rituais passados com mais leveza, mas não consegue deixar de ficar maravilhada com o poder dos gatilhos que vamos encontrado pela vida e que nos levam em viagens a momentos já vividos. Tempos que foram bons e que já não voltam, mas que guardamos por cá até que um dia a memória nos comece a falhar. 

Era uma vez um lugar. Era uma vez um espaço que juntava uma família. Era uma vez um sítio umbilical. 

Era uma vez uma miúda que se viu Hera e deu novo sentido ao universo. 

quinta-feira, março 09, 2023

De repente. Não mais que de repente.

Náusea. 

Gosto muito mais em inglês: motion sickness

Menos enjoativo. 

Além disso é o nome da música que me trouxe aqui. Começou a tocar de repente e de repente, não mais que de repente, eu estava em Madrid com a C. De repente, não mais que de repente, chego à conclusão que esse evento foi há 10 anos e sinto-me nauseada. Positivamente nauseada. Nauseada porque de repente, não mais que de repente, todas as sensações, ideias e ingenuidades de uma vida com menos 10 anos de experiências em cima tomaram conta da minha cabeça. De repente, não mais que de repente, eu estava em Madrid a dançar, a cantar, a ser idiota pelo Retiro e a ver o mundo a passear enquanto bebia uma cerveja na varanda do D. 

De repente, não mais que de repente, fiquei leve. 

quarta-feira, março 08, 2023

Vermelho e mulheres bonitas

Resumo de uma noite com magia.

segunda-feira, março 06, 2023

Vou contar-vos uma história

Uma história daquelas bem simples. Uma história que, de tão simples, nem valeria a pena contar, não fosse a minha vontade. 


Vontades... É disso que se faz um dia, uma semana, um mês, a vida. Um vai e vem de vontades que podemos ou não satisfazer consoante as condições, meios e as intermitências impostas pelo simples facto de existirmos. A incerteza é das poucas certezas que podemos ter. O que estava certo ontem pode, hoje, ser um perfeito disparate. Um disparate perfeito, pois sem ele(s), não haveria peripécias dignas até a luz se apagar de vez.

A história acontece numa cidade perto do mar. Há sempre uma brisa no ar que vai ditando o que cada um sente. Parece que brisa traz com ela todas as verdades do mundo. E frio, também traz algum frio à noite.

Os dias passam e a nossa protagonista perde-se em horas passadas na praia, perde-se em horas a tentar ter conversas que a enriqueçam. A tolerância para conversas banais parece cada vez mais escassa. Não sei se o hei-de definir como falta de capacidade ou ganho de perspectiva. Seja qual for a definição que melhor se aplica, nem uma, nem outra é negativa. Todos os papéis espalhados pelo quarto, as mensagens deixadas na areia, a tatuagem no banco de jardim formam os pedaços da história que não vale a pena contar. Ella, a protagonista deste espaço e de todos os que ainda não atravessou, gostava de deixar pedaços do que lhe vai na alma espalhados por aí. Por essa razão, a cidade perto do mar, conhece-a melhor que ninguém.

Enquanto Ella acorda para mais um dia de ociosidade, os pescadores já lançam as redes em alto mar para procurar alimento para tantos outros que sabemos que por aí andam, mas não conhecemos. Ella não seria capaz de ser pescadora. O mar, tanto a arrebata com a sua beleza infinita, como a enche de medo quando nos dias cinzentos bate contra as rochas sem a menor compaixão.

Ella encheu-se de novas perspectivas nos últimos tempos. Coisas da vida, circunstâncias, momentos, são agora apreciados e vividos de uma maneira diferente. Uma maneira mais rica, talvez. Tudo isso contribuiu para que o encontro daquele dia não passasse despercebido a Ella. Deitada na relva do jardim, enquanto lia palavras que alguém escreveu, parou ao sentir algo pousar no seu braço. Rapidamente enxotou o pequeno bicho que lhe fazia cócegas e antes que pudesse voltar a pousar os olhos nas palavras que outro alguém escreveu, viu-o. Era ele... Nunca o tinha visto antes, mas sabia que era ele. Moreno. Cabelo descuidadamente charmoso. Barba charmosa no seu descuido. A maior surpresa: estava a ler as mesmas palavras que outro alguém escreveu que ela. Não vou contar que palavras liam, porque começaria aí a pensar nessa história e não nesta, que de interessante, não tem nada.

A leitura do livro passou a servir de disfarce a partir daquele momento. Ella era assim. Podia estar submersa nas suas ideias e no seu mundo, mas se algo captava a sua atenção, o protagonismo era reassumido. Rapidamente percebeu que ele também a observava e que usava a mesma camuflagem de páginas cheias de palavras que ela. O seu coração começou a bater com mais força. Envergonhada pela descoberta focou o seu olhar na primeira palavra que viu: Roma.
Ella era assim. Independente e confiante até a timidez de criança inocente se apoderar de todas as suas entranhas.

Encadeada pela palavra e pelo sol que teimava em bater contra o livro, demorou, sabe a brisa quanto tempo, a reparar que ele se tinha sentado ao lado dela. Levantou-se abruptamente e olhou para os olhos dele. Os dois com os livros na mão... Os dois... Dois estranhos a olhar um para o outro... Desataram às gargalhadas. Nervosismo combinado com o desconhecido da situação, combinado com Ella saber que era ele.

Não me lembro da primeira palavra que trocaram, nem das outras 23 mil que se seguiram nessa tarde. Mas lembro-me da palavra para a qual Ella olhou quando a sua timidez a obrigou a refugiar o olhar no livro.

Foi Roma. E Roma, ao contrário, lê-se amor.

quinta-feira, março 02, 2023

Qual é coisa qual é ela

Que tem a capacidade de nos dissolver em milhares de partículas?

quarta-feira, março 01, 2023

Gosto de portas

Portas fazem o mundo exterior parar.