quarta-feira, outubro 01, 2014

Entre as Onze e a Meia Noite

Lá estava ele.

Entre as onze e a meia noite, chegava sempre o momento de fumar o seu cigarro na varanda. O único do dia, o único que não deixou que a outra lhe tirasse. Compromissos fazem-se. Compromissos pagam-se. Tem conseguido cumprir, menos quando está com os copos e quando a outra fica em casa a dormir. Quando bebe fuma e quando fuma bebe. Sim, para o cigarro não se sentir sozinho a percorrer as suas entranhas, ele junta, ora gin, ora cerveja. A outra aprendeu a tolerar, apesar de ficar sempre a remoer sobre o porquê daquele vício quando o vê passar pelo sofá entre as onze e meia noite, em direcção à varanda.

Lá estava ele.

A acender o cigarro depois de ter dado o primeiro gole de cerveja ou de gin. Olhou para baixo, para a roupas que trazia vestidas e não se reconheceu. Compromissos fazem-se. Compromissos pagam-se. A outra deu-lhe tanta roupa nova, tem de a usar senão parece que não gostou. Para além disso, já reparou que quando veste alguma das suas roupas antigas, a outra não é capaz de o elogiar.

Lá estava ele.

O cigarro vai a meio. O copo já está vazio. Ele já não se sente no presente. Sente-se acorrentado a um futuro que não deseja. Parece que tudo aconteceu de um dia para o outro. Pensava-se feliz com a outra, pensava-se feliz com as decisões que tomou para si. Só agora percebeu que tudo o que fez, tudo o que criou, foi sob pressão. Uma pressão que ele gerou por si próprio, uma pressão desnecessária. Deixou-se apoderar por um medo inconsciente de ficar sozinho. E agora? Compromissos fazem-se. Compromissos pagam-se.

Lá estava ele.

Com o olhar perdido no espaço. O cigarro apagou-se sozinho. Voltou a si quando reparou que a luz da sala já não estava acesa. A outra foi-se deitar. Não lhe disse nada ou talvez tenha dito. Sei lá. Ele estava ali, mas a sua alma pairava bem longe. Será que a outra reparava se ele fugisse? Sim, claro que reparava. Mas ele tem a certeza que ela sabe que ele nunca foi seu. Deu apenas a entender que lhe pertencia por um curto espaço de tempo. Ingénuo. Só agora chegou à conclusão que a utopia não existe e que se existir, acontece naturalmente. Não assim. Não como ele agiu. E lentamente a ficha cai.

Lá estava ele.

Ancorado à infelicidade que tem vergonha de admitir.
Entre as onze e a meia noite.
Todos as noites.
A fumar o cigarro que a outra (ainda) não lhe tirou.
A beber a cerveja ou gin.
A relembrar tudo o que deixou para trás, tudo o que perdeu.
A desejar nunca ter afastado o verdadeiro amor da sua vida.
Porque no fundo, sabe que só esse amor, que nunca esqueceu, o acompanharia sempre, na varanda, com o cigarro, a cerveja ou o gin.

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