E como uma vez alguém disse: "O que mais custa não é tanto lembrar - é não esquecer. O que é que se faz com o que nos fica na cabeça, quando já não há nada para fazer?"
Até há bem pouco tempo, não sabia como responder a esta pergunta. Não sabia o que fazer com o que me ficou na cabeça. Na verdade, continuo sem saber responder. Penso que nem tu, nem eu, alguma vez saberemos.
Existe um tempo. Existe um espaço. Existiu um tempo. Existiu um espaço. Tudo era diferente: o sabor da comida, a percepção de um filme, a diversão, o cheiro de um cheiro, o prazer em todas as suas formas. Quando a vida decide dar uma cambalhota e remexer as marionetas da nossa cabeça, começa a mudança de percepção. Quantas destas teremos de aturar enquanto respiramos? Boa pergunta. Muitas de certeza. E em cada uma delas, haverá um sentido escondido.
Sentidos escondidos. Tão bom quando eles se revelam. Tão mau os caminhos que se tem de percorrer para os encontrar. Sim, óbvio. O caminho é essencial, o caminho é que nos molda. Mas também somos nós que escolhemos e fazemos com que este seja mais curto ou mais comprido. Por muito que pareça que nada podemos fazer, é mentira. A maneira de encarar as bifurcações permite criar este ou outro atalho, encontrar mais esta ou aquela parede.
Fácil falar quando a tempestade passou. Fácil dizer para agirmos de acordo com o que é melhor para nós. Mas quando a cambalhota acontece, cada um é que define o seu tempo, cada um reage como é capaz, cada um... Somos todos diferentes.
E o que é que se faz com o que nos fica na cabeça? Testa-se. Toma-se uma atitude para perceber se é realmente algo com presença suficientemente forte para nos afectar as entranhas. Se for forte, está tudo fodido. Se não for, é como que uma limpeza da alma. O sol ou as nuvens aparecem todos os dias, mas já não se olham como antes. O sabor da comida ainda trará consigo uma lembrança, mas aprende-se a saborear de novo. Um filme será apreciado, sem que a fotografia que de nós lá encontramos, traga mágoa. A diversão é vivida com uma nova intensidade, mais genuína. Um cheiro... Um cheiro vai sempre transportar-nos a um momento do passado. Fecha os olhos, sente e sorri até ele desaparecer do ar. O prazer, esse volta, renova-se e os sentidos agradecem todas as novidades.
Não se apagam memórias, há sempre algo que nos fica na cabeça. O segredo? Encontrar o sentido escondido. Aprender a transformar a memória que nos espreme os sentidos, numa lembrança boa, num segundo permitido de reminiscência saudável. Que nos faça lembrar que hoje, somos isto, por culpa dessa memória. Que se pense em forma de cliché: que sou mais forte, que é isto que quero ser, que me descobri.
O que morreu, morreu porque tinha de morrer.
O que ficou, ficou porque foi bom.
A única certeza: A vida vai-se escrevendo certa por linhas tortas.
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