quinta-feira, dezembro 28, 2023

Abstinências

Qual o período de gestação para a criação de um novo eu?

domingo, novembro 19, 2023

Liberdade e páginas em branco

 


Porque às vezes é no meio do caos que encontramos o que precisamos. 

quarta-feira, novembro 15, 2023

Como os gatos

Quanto mais tempo passa

e o abismo entre nós já nem de ponte se atravessa, 

mais claro se torna que vivemos várias vidas. 


Talvez sejam sete.

Como os gatos. 

sexta-feira, novembro 03, 2023

Não são só os elefantes que fazem viagens

Contemplo um passo no seu compasso.

Admiro fatalidades que assim se estipulam.

Um passo de cada vez.

Em frente.

Esquerda.

Direita.

Marchamos.
Marchamos.


E um dia...
Chegamos. 

quarta-feira, novembro 01, 2023

Habitua-te ao acaso

O dia estava cinzento. Não que isso importasse. Todos os dias estavam cinzentos desde há uns tempos para cá. Mesmo com o sol a brilhar lá fora, as nuvens tinham agora lugar cativo dentro de ti. 

Antes, quando te sentavas no teu sofá de manhã a beber café, ouvir música e a deixar o sol aquecer-te a cara, sentias uma paz profunda. No entanto, sempre soubeste que essa paz era efémera e que te podia ser roubada a qualquer instante. 

Não gostas desta capacidade (característica? aptidão? idiossincrasia?). Sempre te causou algum receio. Por muito que às vezes pareça que o desejamos, nós não queremos ver o futuro. Nós não queremos saber o dia de amanhã. Só nos causaria dor (desalento? desespero? agonia?). Cada vez mais achas que tens em ti uma percepção distinta das pessoas e do mundo à tua volta. Isto não é necessariamente bom. Acabas por carregar um fardo desnecessário. Talvez por isso te tenham aconselhado uma trip de cogumelos mágicos de quando em vez. A inteligência emocional sobrecarrega-te. Será que todos partilham de tanta empatia pelos sentimentos e emoções dos outros como tu? 

A resposta é insignificante. 

O que agora sabes permite-te atravessar os trilhos impostos pela vida com, não diria mestria, mas uma agilidade que ganhaste a percorrer os trilhos anteriores. Não necessariamente mais fáceis, mas certamente com um nível de complexidade bastante inferior. Agora tens bagagem, tens cartas na manga e sabes melhor como funcionas para te tentares proteger das constantes armadilhas. Sim, quando somos mais novos temos problemas e desafios ininterruptos. Achamos que nada poderá ser pior, que não saberemos lidar com isto ou com aquilo no futuro. Não sabemos nada. Os problemas e desafios ininterruptos acompanham-nos sempre e tornam-se cada vez mais complexos. A nossa capacidade para lidar com tudo é que é inevitavelmente maior. 

Navegamos pela vida enquanto aprendemos a navegar. 

E, se tivermos sorte, habituamo-nos ao acaso, lembrando-nos sempre que esta vida são dois dias (e o Carnaval são três). 

terça-feira, outubro 31, 2023

Feeling big, small, scared, at ease


 

All of our stories in her story. E a noção cada vez mais presente de que isto tudo passa demasiado rápido. 

segunda-feira, outubro 30, 2023

Entre os 34 e os 35

Apetece-me ir a concertos.

As coisas evoluem ou morrem.

Dehors il fait du vent. Chez moi, je fais des mots. 

O papel se for apanhado pela água, desfaz-se. Eu, se for apanhada por ti, tens sorte. 

Decorar a árvore de Natal com aviões de papel. 

Metal heart?

Saramago também só publicou depois dos 60 anos. 

Con - su - mismo.

Kleine Fortschritte aufschreiben. 

A love song about overthinking?

Find a girl that'll make your head spin. Find a boy that'll take you out dancing. 

Pinguins imperadores.

Timings são tão importantes como as linhas. 

Waking life.

Some people are places to live in. 

Fascínio com a memória e os seus truques.

Eu nem sequer gosto de ti. 

Se o queres... Mostra!

Sobre ter calma e gerir expectativas. 

Vamos dissecar-nos mutuamente?

Detalhes que a uns irritam e que a outros fazem querer voltar.

Temos um problema ou a solução?

Quem lhes dera entrar no teu planeta.

Não mais sem sentido. 

Também isto vai ser uma história. 

Queria falar contigo, mas é tarde. Queria falar contigo, mas não sei se é melhor não falar. Queria falar contigo, mas és um estranho sem ser. Queria falar contigo e devia simplesmente fazê-lo. 

Lauryn Hill always. 

Fazer anos e...

domingo, outubro 29, 2023

sábado, outubro 21, 2023

(Quase) Todas as minhas coisas maravilhosas

O barulho da chuva a cair lá fora.
Ouvir uma música que não ouvia há muito tempo e ser transportada para outro lugar.
Beber água com gelo.
As unhas acabadas de pintar.
Ganhar consciência e fechar capítulos. 
O riso deles. 
Brincar. Provocar. Saber que posso. 
Ter consciência de que em menos de um minuto tudo pode mudar. 
Cabelo molhado, acabado de pentear. 
Mousse de leite moça.
Comida da mãe. 
Dormir a noite inteira. 
O mar.
Liberdade. 
Ser tia Joana.
Céu azul.
Café.
Música ao acordar.
Música a caminhar.
Música a cozinhar.
Música a tomar banho.
Música em omnipresença. 
Criar playlists.
Perder-me nos diálogos de um filme. 
A minha cama feita de lavado.
Dançar sozinha na sala.
Dançar numa sala cheia de gente e sentir-me sozinha. 
Fechar os olhos em cima da bicicleta.
Um segredo dito ao ouvido.
Festinhas que arrepiam. 
Olhos verdes.
Estar a ver um concerto e sorrir.
Um mergulho no mar e por lá ficar até a pele enrugar. 
Um beijo salgado. 
Quando vejo o T. depois de muito tempo e falamos sem falar. 
Uma conversa que faz as horas voar.
Fotografias antigas.
O banho depois do ginásio.
A voz do Alex Turner.
Passeios por entre o verde.
Acabar um livro que não queria que chegasse ao fim. 
Descobrir como usar uma palavra nova. 
Ir ao supermercado noutro país. 
Acordar sem despertador.
Quando o avião aterra.
Cozinhar, escolher filme, sofá, só eu.
A minha casa acabada de arrumar.
Mandarinas doces e sem caroços. 
Dar um passo de cada vez.
Quando me dizem que sou especial. 
Pasta quando as hormonas pedem.
Escrever em papel.
Uma voz especial dizer o meu nome. 
Ficar na cama de manhã. Por tempo indeterminado. Acompanhada. 
Perder a noção das horas a olhar para livros. Não comprar nenhum.



Saber que esta lista nunca terá um fim. 

domingo, outubro 08, 2023

Acto 2 - as histórias que se contam

Gosto muito de falar de mim e tenho sede de conhecimento. Vais achar que te apaixonaste por mim. Não vais perceber (logo) que sou narcisista.   

Estou aqui só de passagem. O meu voo foi cancelado. Vou falar contigo sobre a tua cidade, sotaques, palavras em português e crypto. Vais sorrir durante 2 dias seguidos. 

Gosto de ser excessivamente pateta. A minha maneira de falar vai-te irritar. O meu humor não vai ser compatível com o teu. Vamos beber demasiado vinho. Vais detestar encontrar o meu relógio partido na cómoda do teu quarto. 

Quero ir viver no campo. Vais adorar o meu gosto musical. Vou-te mostrar um álbum que vais gostar, mas que rapidamente vais voltar a esquecer. Não vou conter a surpresa quando me começares a contar sobre o teu portefólio. Vais-me pedir para falar em holandês e vais-te surpreender com tudo o que percebes. 

Tenho uma cabeça cheia de ideias. Sou a pessoa que pior te conhece mas que melhor te compreende. Vou-te preparar cocktails de verão. Tu vais-me tirar uma fotografia enquanto escrevo um poema sentado no parapeito da tua janela a fumar um cigarro. Vamos cantar em alemão. Vou tentar ensinar-te finlandês. Vou falar uma hora ao telefone com a senhora que me ajudou quando vivi nos Estados Unidos. Vou-te inspirar. 

Sou médico e gosto de o mostrar. Vais-te sentir incomodada com perguntas que faço e coisas que digo. Vou despertar em ti uma onda de mudança.

Nunca tenho oportunidades destas. Vou-me deixar hipnotizar pela tua forma apaixonada de falares sobre os teus interesses. Vais cringe. Vais guardar a peripécia só para ti. Vais-me pedir desculpa eventualmente e reequilibrar a tua mente.

Gosto de tudo o que tenha açúcar e sou feito de açúcar. Vou-te mostrar que nem tudo é impossível e ensinar-te que te podem tratar bem. Vais concluir, mais uma vez, que quando é, é e quando não é, não há nada a fazer. 

Somos tão iguais, mas também tão diferentes. Vais comprar um livro para mim que nunca me vais dar. Vais escrever a dedicatória e esperar o momento certo. O momento certo não chega. Sabes que tens de te proteger, sabes que isto se pode transformar em algo pouco saudável. Admiras a tua maturidade emocional. Admiras a tua capacidade de saber sair quando o momento chega. Mostro-te que há muitas ligações bonitas à tua espera. 

Aventura. Soberba capacidade de fazeres o que te propões. Hoje em dia. 

Sou igual a ti. Tu és igual a mim. Por isso mesmo temos de nos afastar. Deixo-te dois copos de vinho de tamanhos diferentes em casa. Não tens espaço para eles no armário. Criamos um lugar seguro. Falamos da Alda Lara, de concertos e dos discos que pomos a girar. Faço-te perguntas que te incomodam e vais começar a dar mais atenção aos teus sonhos. Despedimo-nos sabendo que nunca mais nos vamos ver. Ambos sabemos que é assim que tem de ser.  

Gostas da forma como pronuncio algumas palavras. Não gostas da minha falta de maturidade. Percebes que não há forma de contornar o que não é natural. E está tudo bem. 



Acto 3

sábado, outubro 07, 2023

Quero percorrer as tuas pernas com uma caneta

Vou começar nos calcanhares.
Subir devagarinho até aos teus joelhos,
depois descer, 
depois voltar a trepar.

Traço uma linha pela tua coxa. 
Uma só.
E a tua barriga oscila. 

Esboço estradas infinitas.
Primeiro na perna esquerda.
Depois na perna direita. 

Já não vejo o teu sorriso tímido.
Contemplo esses olhos que me arrebatam. 

Contorno agora a tua barriga.
A minha mão é guiada pela tua respiração.

Sei que me estás a pedir um beijo.
Quero muito dar-te um beijo.

Não dou.
Tu não me puxas para ti.

Vá, vamos ficar neste limbo.
Procura afeto noutros corpos.
Finge que a tinta da caneta é transparente.

Finge.
E eu finjo contigo.

sexta-feira, agosto 25, 2023

Discrepâncias

Ela era poesia. 

Ele não sabia ler. 


domingo, julho 16, 2023

Kintsugi

Atiro-me ao mar,
a água gelada faz-me parar de respirar.

Deito-me com todos os fantasmas,
revisito histórias sem correr perigo.

Atiro as fotografias ao fogo,
junto as cinzas num pote de café antigo.

Apanho todas as migalhas.
Não, nem aos passarinhos satisfazem.

Olho para o relógio,
a mensagem não vem,
não virá,
nunca mais. 

Sinto a imensidão deste vazio dentro de mim,
a fissura é hoje uma cratera.

Fecha.
Cola.
Pinta de ouro.

Encontro-me com as sereias que cantam,
mergulho bem fundo, 
elas puxam-me com as suas vozes.

E eu vou.

Onde a luz já não chega.
Onde os fins do mundo se encontram.

E deixo-me ir.

Até quando?

Até que me saibam ler. 

sábado, julho 15, 2023

Fixo

E se todos os aviões ficassem presos, estáticos no céu?

quarta-feira, junho 07, 2023

Blah

Down in the deep the honey is sweeter

Largar tudo o que é oco. 

Let go of the doubts, say yes
Let it soak up into the flesh
Never had this kind of nutrition 

Cravar um olhar.
Ocupar toda a pista de dança.

Darker the berry, sweeter the fruit
deeper the wounded, deeper the roots

Mergulhar.

Higher than a motherfucker

Em mim.

quinta-feira, junho 01, 2023

You turn me on

  

          Everything is collapsing, dear                                                           All moral sense has gone                                                                                                     It's just history repeating itself                                                                                                                                                        And babe

quinta-feira, maio 25, 2023

Nina

Gostava de ser uma voz gravada numa canção para alguém daqui a 70 anos ouvir e (des)aprender algo sobre o amor.

domingo, maio 14, 2023

Corda bamba

Confia, disse ele.

Somos sempre jovens.
Mesmo com barbas brancas,
mesmo com rugas formadas por choros e sorrisos,
mesmo quando precisamos de uma mão para descer as escadas.

Precisamos sempre de uma mão para descer as escadas.
É aconchegante. 
Nem sempre a temos.
A maior parte das vezes vamos sozinhos. 

Andamos sozinhos à procura de respostas.
À procura de perceber a passagem do tempo,
à procura de entender de que se faz o amor afinal,
à procura de desatar as nossas falhas,
à procura de olhar para tudo com mais humildade,
menos certezas, mais inocência. 

Dá a mão a ti mesma. 
Observa os adultos a andarem de um lado para o outro,
atarefados, concentrados em qualquer coisa que não consegues compreender. 
Preocupados, assoberbados. Com quê?
Ele não param, não se encontram consigo mesmos
Parar traz verdades que não têm coragem de encarar. 

Segue.
Segue assim tu. 
Ouve as canções de embalar.
Prende as palavras que te chamam a atenção.
Deita fora o receio de te mostrares vulnerável. 
Caminha sobre a corda bamba com mais firmeza.
Segue assim. 

Não queiras descobrir todos os sentidos escondidos.

Não já. 

sexta-feira, maio 05, 2023

Isto não se chama afasia

Esquece as filosofias,
Presunções, sabedorias.
Levada por impulso,
Escrevo linhas em forma de verso.
Escrevo para me salvar de algo.
Talvez para me esconder do universo.
 
Percebo que escrevo para ti.
Tento parar, não consigo.
Tira as tuas mãos de mim,
Vamos lá parar com as fantasias.
Isto não tem sentido.
 
Parar? Travar?
Não.
Não eles. 
Não agora.
 
Não agora que já te vi ao fundo das escadas.
Não agora que parei à tua frente e te olho nos olhos.
Não agora que a pressão magnética me obriga a dar-te um beijo.
 
O mundo congela.
 
Os teus lábios encontram os meus, mordem os meus, comem os meus.
A tua língua brinca com a minha, pede-me mais.
As tuas mãos descem pela minha cintura,
apertam-me, deslizam, 
apertam-me, sobem, 
apertam-me contra ti.
Agarras-me o cabelo para trás, beijas-me o pescoço.
Solto um gemido ao teu ouvido,
apertas-me com mais força.
Envolve-te em mim, prende-me os braços,
Faz com que me contorça.
 
Roupa arrancada espalha-se pelo chão.
Tocas em mim, vês como me deixas.
Pego em ti, vejo o que te faço.
Brincamos por entre beijos,
suspiros e sussurros.
Corpo contra corpo.
Sentidos envolvidos são já poucos.

 
Levados por instintos.

 
Parar?

Talvez.


Se formos loucos.

segunda-feira, maio 01, 2023

Lucidez

A cabeça da Joana 
está cheia de aviões.
São todos de papel
andam por lá aos encontrões. 

Sentada nas estrelas
fica a vê-los voar.
Às vezes agarra um com força
e fá-lo parar de girar. 

A cabeça da Joana
está cheia de passarinhos.
São todos coloridos
andam por lá aos burburinhos. 

Sentada nos jardins
fica a ouvi-los chilrear. 
Às vezes canta com eles,
outras deixa-se só encantar. 

A cabeça da Joana
está cheia de tubarões.
Todos são feitos de cera,
algo feios e dizem palavrões. 

Sentada nos corais
assiste aos bailes sobre a areia movediça.
Às vezes vai dançar com eles.
Depois volta.
O chão mais firme 
e ela,
mais castiça. 

sexta-feira, abril 21, 2023

Corvo

Cor negra.
Mexes-te depressa.
Assumo que procuras um cadáver.
É isso que conheço da tua espécie.

Porquê?

Uma qualquer memória de infância. 

Terá sido um jogo?
Uma conversa?
O coração das trevas?

Assumo que te vou ver a debicar um globo ocular.
Assumo que vou ver sangue e nervos.
Assumo que andas de mãos dadas com a morte. 

Encontro-te pela cidade e pelos campos.
Tu nem olhas para mim, andas ocupado nos teus afazeres. 
Eu decido dar-te importância, conteúdo e essência. 

Equivocada sigo. 
Ancorada a ilustrações surrealistas.
Atracada a sentidos que só se comprovam no meu imaginário.  

Cor negra.
Mexes-te depressa.
Assumo que procuras um cadáver.
É isso que conheço da tua espécie.

Está frio e chove.
Paras à minha frente.

Olho para ti.
Tu olhas para mim. 

A minha espécie vira tua,
a tua espécie vira minha.

Damos as mãos.
Formam-se estradas. 
Vagueamos por contratempos. 

Eu sempre fui negra
e tu sempre formaste um pedaço de mim.

domingo, abril 02, 2023

Vamos falando

Quantas vezes serão ditas estas duas palavras com a genuína intenção de se ir falando?

Quantas vezes se vai mesmo falando?

Conta. 

sexta-feira, março 31, 2023

Amanhã é dias das mentiras

E será mentira

quando disser

que não tenho pensado em ti. 

segunda-feira, março 27, 2023

E assim, sem demora

E assim, 
sem demora,
enquanto se tenta fugir a simbolismos,
a orquídea dá flor.

E assim,
sem demora,
dois botões brancos brotam sem hesitação,
sem tentativa de ostentação.

E assim, 
sem demora,
os dias fazem-se mais compridos,
o sol sente-se mais quente
e os cérebros pintam melhor as suas utopias. 

E assim, 
sem demora,
demoro pouco a perceber,
que se a minha magia se juntar à tua
e soubermos desvendar o condão,
toda a prosa será poesia,
e tu,
e eu,
passaremos a adormecer
ao som do mesmo refrão. 

segunda-feira, março 13, 2023

Era uma vez uma Hera

A miúda nunca gostou de ser o centro das atenções. Desde muito pequena que se lembra de reunir esforços para se esquivar de situações que a expusessem mais do que o necessário para ser socialmente aceitável. Foi crescendo com a ideia que possuía uma falta de capacidade para se relacionar com as pessoas de uma forma normal. Se a miúda visse alguém que conhecia com distância suficiente para não se aperceberem da presença dela, procedia logo à fuga da possível ocorrência de encontro. Perdeu a conta de quantas fugas foi protagonista nos últimos anos. As conversas banais, a falta de assunto e a obrigatória cordialidade dos encontros de circunstância sempre lhe causaram alguma ansiedade. Se um encontro é infrutífero, para quê tê-lo? Para quê fingir interesse pela vida ou bem-estar da pessoa aleatória que se encontra, só para respeitarmos o fluxo natural de interações socialmente aceitáveis? 

Encontramos a miúda algures em Outubro, algures perdida pela sua cidade enquanto estas e outras ideias lhe preenchem a cabeça. Passear pela cidade sozinha tem-se tornado um hábito cada vez mais apreciado. Descobrir cantos e recantos que não conhece ainda. Perder-se por caminhos que achava já ter percorrido e acabar por ir parar a uma rua familiar sem saber como. Entendem-se geografias novas, formam-se mapas que amanhã vai esquecer. 

Passa por um pequeno café e pára. O café não tinha muito mais do que um balcão e umas  mesas quadradas. As cadeiras captaram a sua atenção. Eram exatamente iguais a uma cadeira que havia em casa da sua avó. Nunca gostou de se sentar nessa cadeira, era dura e desconfortável - ferro preto, tampo e costas de um verde que não sabe descrever por palavras. A cadeira era raramente usada. Encontrava-se na entrada da casa, encostada a um canto perto da despensa. Aquela zona da casa tinha  um cheiro característico. Ela sempre o qualificou pela presença das areias do gato, mas o cheiro subsistiu mesmo anos após a sua morte. Nunca gostou do cheiro, mas neste momento estava a senti-lo ao olhar para aquelas cadeiras verdes. Sente o cheiro e sente-se pequena, sente o cheiro e afoga-se em saudades. 

Agora estava em frente ao portão verde da casa da sua avó. A hera verde que percorria as paredes e a estrutura de metal que se formava em arco até a entrada de casa sempre deu um aspecto majestoso àquela passagem. Se nos déssemos ao trabalho de reparar, víamos. A miúda nunca contou a ninguém, mas várias vezes se imaginou a percorrer aquele corredor de flores vestida de branco. O mesmo corredor onde gravou uma das suas primeiras memórias de infância - o caixão do seu avô a ser levado para fora de casa, em direção ao portão verde (que na altura era branco). Tão depressa um cenário pode representar vida e esperança, como a morte e o momento do adeus. Dualidade maravilhosa. 

Maravilha é descobrir que Hera, rainha do Olimpo, era a deusa protetora do casamento, das mulheres e da família. Maravilha é lembrar que a hera verde sempre esteve presente à sua volta. Nos almoços de família que se prolongavam até à noite, nas corridas e brincadeiras de todos os miúdos que foram crescendo, nos banhos de sol na pequena piscina, nos medos disparatados dos cães que foram indo e vindo, nos sorrisos e gargalhadas. No choro afundado em abraços fortes no dia em que a avó da miúda morreu. 

Hoje a casa já não existe. A hera desapareceu com a sua demolição. O terreno é ocupado por um quadrado de madeira sem vida. É difícil compreender estas passagens de tempo, estas mudanças que ocorrem e que nos vão levando ao sabor de uma maré invisível até outros hábitos, até outras casas, até a um café que tem cadeiras iguais às de casa das nossas avós. 

A miúda tem aprendido a encarar a passagem do tempo e a consequente morte de rituais passados com mais leveza, mas não consegue deixar de ficar maravilhada com o poder dos gatilhos que vamos encontrado pela vida e que nos levam em viagens a momentos já vividos. Tempos que foram bons e que já não voltam, mas que guardamos por cá até que um dia a memória nos comece a falhar. 

Era uma vez um lugar. Era uma vez um espaço que juntava uma família. Era uma vez um sítio umbilical. 

Era uma vez uma miúda que se viu Hera e deu novo sentido ao universo. 

quinta-feira, março 09, 2023

De repente. Não mais que de repente.

Náusea. 

Gosto muito mais em inglês: motion sickness

Menos enjoativo. 

Além disso é o nome da música que me trouxe aqui. Começou a tocar de repente e de repente, não mais que de repente, eu estava em Madrid com a C. De repente, não mais que de repente, chego à conclusão que esse evento foi há 10 anos e sinto-me nauseada. Positivamente nauseada. Nauseada porque de repente, não mais que de repente, todas as sensações, ideias e ingenuidades de uma vida com menos 10 anos de experiências em cima tomaram conta da minha cabeça. De repente, não mais que de repente, eu estava em Madrid a dançar, a cantar, a ser idiota pelo Retiro e a ver o mundo a passear enquanto bebia uma cerveja na varanda do D. 

De repente, não mais que de repente, fiquei leve. 

quarta-feira, março 08, 2023

Vermelho e mulheres bonitas

Resumo de uma noite com magia.

segunda-feira, março 06, 2023

Vou contar-vos uma história

Uma história daquelas bem simples. Uma história que, de tão simples, nem valeria a pena contar, não fosse a minha vontade. 


Vontades... É disso que se faz um dia, uma semana, um mês, a vida. Um vai e vem de vontades que podemos ou não satisfazer consoante as condições, meios e as intermitências impostas pelo simples facto de existirmos. A incerteza é das poucas certezas que podemos ter. O que estava certo ontem pode, hoje, ser um perfeito disparate. Um disparate perfeito, pois sem ele(s), não haveria peripécias dignas até a luz se apagar de vez.

A história acontece numa cidade perto do mar. Há sempre uma brisa no ar que vai ditando o que cada um sente. Parece que brisa traz com ela todas as verdades do mundo. E frio, também traz algum frio à noite.

Os dias passam e a nossa protagonista perde-se em horas passadas na praia, perde-se em horas a tentar ter conversas que a enriqueçam. A tolerância para conversas banais parece cada vez mais escassa. Não sei se o hei-de definir como falta de capacidade ou ganho de perspectiva. Seja qual for a definição que melhor se aplica, nem uma, nem outra é negativa. Todos os papéis espalhados pelo quarto, as mensagens deixadas na areia, a tatuagem no banco de jardim formam os pedaços da história que não vale a pena contar. Ella, a protagonista deste espaço e de todos os que ainda não atravessou, gostava de deixar pedaços do que lhe vai na alma espalhados por aí. Por essa razão, a cidade perto do mar, conhece-a melhor que ninguém.

Enquanto Ella acorda para mais um dia de ociosidade, os pescadores já lançam as redes em alto mar para procurar alimento para tantos outros que sabemos que por aí andam, mas não conhecemos. Ella não seria capaz de ser pescadora. O mar, tanto a arrebata com a sua beleza infinita, como a enche de medo quando nos dias cinzentos bate contra as rochas sem a menor compaixão.

Ella encheu-se de novas perspectivas nos últimos tempos. Coisas da vida, circunstâncias, momentos, são agora apreciados e vividos de uma maneira diferente. Uma maneira mais rica, talvez. Tudo isso contribuiu para que o encontro daquele dia não passasse despercebido a Ella. Deitada na relva do jardim, enquanto lia palavras que alguém escreveu, parou ao sentir algo pousar no seu braço. Rapidamente enxotou o pequeno bicho que lhe fazia cócegas e antes que pudesse voltar a pousar os olhos nas palavras que outro alguém escreveu, viu-o. Era ele... Nunca o tinha visto antes, mas sabia que era ele. Moreno. Cabelo descuidadamente charmoso. Barba charmosa no seu descuido. A maior surpresa: estava a ler as mesmas palavras que outro alguém escreveu que ela. Não vou contar que palavras liam, porque começaria aí a pensar nessa história e não nesta, que de interessante, não tem nada.

A leitura do livro passou a servir de disfarce a partir daquele momento. Ella era assim. Podia estar submersa nas suas ideias e no seu mundo, mas se algo captava a sua atenção, o protagonismo era reassumido. Rapidamente percebeu que ele também a observava e que usava a mesma camuflagem de páginas cheias de palavras que ela. O seu coração começou a bater com mais força. Envergonhada pela descoberta focou o seu olhar na primeira palavra que viu: Roma.
Ella era assim. Independente e confiante até a timidez de criança inocente se apoderar de todas as suas entranhas.

Encadeada pela palavra e pelo sol que teimava em bater contra o livro, demorou, sabe a brisa quanto tempo, a reparar que ele se tinha sentado ao lado dela. Levantou-se abruptamente e olhou para os olhos dele. Os dois com os livros na mão... Os dois... Dois estranhos a olhar um para o outro... Desataram às gargalhadas. Nervosismo combinado com o desconhecido da situação, combinado com Ella saber que era ele.

Não me lembro da primeira palavra que trocaram, nem das outras 23 mil que se seguiram nessa tarde. Mas lembro-me da palavra para a qual Ella olhou quando a sua timidez a obrigou a refugiar o olhar no livro.

Foi Roma. E Roma, ao contrário, lê-se amor.

quinta-feira, março 02, 2023

Qual é coisa qual é ela

Que tem a capacidade de nos dissolver em milhares de partículas?

quarta-feira, março 01, 2023

Gosto de portas

Portas fazem o mundo exterior parar. 

segunda-feira, fevereiro 27, 2023

Parce que c'était lui. Parce que c'était moi.

Conheceram-se ontem.
Hoje foram viver juntos. 

Ele já não faz o café todos os dias.
Ela prepara duas marmitas para o dia seguinte em vez de uma. 

Os objetos de cada um convivem uns com os outros. Completam-se. Por vezes repetem-se. 

O volume da música está sempre muito alto.   

Ela sente o cheiro a café. Levanta-se. 
Ele estende o braço com uma caneca cheia. Abraçam-se.

Há sempre três mantas à volta do sofá. Ele dobra. Ela embrulha-se em todas ao mesmo tempo. 
Os livros ficam espalhados pela casa. Ela sabe sempre onde está o que ele procura. 

Ela dança enquanto cozinha. 
Ele vê uma sombra a mexer-se. Aproxima-se por trás dela e dá-lhe um beijo no pescoço. 

Os copos de vinho ficam sempre por lavar até ao dia seguinte. 

Ele trabalhou até tarde. Ela já tinha adormecido no sofá da sala. 
Ele sussurrou-lhe boa noite ao ouvido e mostrou o que tinha trazido para jantar. 
Ela olhou para ele e ouvindo a música a tocar baixinho, levou-o para dançar. 

Conheceram-se ontem.
Hoje foram viver juntos.
Parce que c'était lui.  Parce que c'était moi. 

quinta-feira, fevereiro 23, 2023

Linhas tortas

Alice saiu do quarto e foi tomar um banho. 

Alice sentiu a água deslizar pelo seu corpo.

O que é que se com a invasão inoportuna ao nosso cérebro de fotogramas que nos fazem precisar de tomar um banho gelado outra vez?

Alice não sabia. Alice ainda não sabe. 
 
Alice pára. Alice anda. Alice esquece. 
 
Alice, decide. Decido o quê? 

Alice, pára com os extremismos. Deixa isso para a política.

domingo, janeiro 22, 2023

Túlipas amarelas

Pouco tempo em Amesterdão. O suficiente para perceber que tenho voltar a passear por aquelas ruas. O suficiente para perceber que tenho de me sentar a beber um copo de vinho num qualquer barco, num qualquer canal. Estava frio quando estive em Amesterdão. Não muito. O suficiente para eu achar que está muito frio. Não é preciso muito. Já foi preciso mais. Para eu achar que está frio. 

A Night-Blooming toca. A primeira vez que a ouvi estava em Amesterdão. Sempre que a oiço (ouço? - ambas as formas são corretas - ok) transporto-me para o momento em que perguntei o que estava a tocar. Sempre que a oiço apetece-me dançar. E danço. E estou no meio de uma sala cheia de gente. E não vejo ninguém. E mexo-me e salto de um lado para o outro. E o cabelo abana. E os braços vão para a cima e para baixo. E um sorriso forma-se. E quase que me emociono com esta imagem.

Já dancei muitas vezes embalada por esta voz e por esta batida em crescendo. Apetece-me dançar agora. Dançar mais uma volta antes de continuar a escrever. Será que escrevo de forma diferentes se for dançar e depois voltar? Será que volto com outras ideias? Não, não vou testar agora. Está frio e as duas mantas em cima de mim geram um certo impedimento. No entanto, o sorriso não sofre impedimentos e rasga-me a cara. 

Only in darkness does the flower take hold, it blooms at night. Preciso da escuridão, da noite, de me perder, de me enterrar em sensações e ideias tenebrosas. Perco todo o otimismo e a esperança dissipa-se do meu universo. Tudo negro para que aos poucos possa voltar a deixar a luz entrar. A luz volta sempre a entrar. Há sempre uma fissura que chama a claridade e, pouco a pouco, permito-me voltar a ver o mundo através das lentes boas. Através das lentes que devia usar todo o tempo, porque está tudo bem, porque se deixa a vida andar, porque não tem de ser tudo complicado. Será que consigo fazer a escolha sensata da próxima vez que for invadida pelo dark side? Será que consigo controlar isto? Sei lá. A informação está presente, mas também sei que às vezes é preciso irmos dar um passeio ao fundo de nós para voltarmos iluminados. Para sermos mais nós. 

Por agora fico com a música. Com esta e com todas as outras que me embalam e dão mais sentido aos meus dias.

E deixo-me maravilhar com a conclusão que sempre tive uma flor favorita.

sexta-feira, janeiro 20, 2023

É

 Männer denken nicht so viel nach.

segunda-feira, janeiro 16, 2023

Quando a felicidade mete medo

Pensar. Pensar em como vou sair deste estado. Primeiro gostava de perceber o que me fez chegar a este estado. O que foi? Ontem parecia estar tudo bem. Hoje acordo e o mundo está escuro, cinzento, negro. Todas as cores supostamente representativas de algo mau. Entro em mim. Durmo. Acordo. Cansaço. Arrumo. Arrumo porque procuro ordem. Procuro ordem na minha cabeça e não a encontro. Busco então por ela no mundo físico. Tenho a cabeça desordenada porquê? Parecias estar tão bem. Sempre que falas no assunto dás ênfase ao equilíbrio. Estarás tu a mentir a ti própria mais uma vez? Outra vez? A sério... Cresce. 

Vou desistir destas merdas. 

E agora? E agora está tudo na mesma. Vejo o mundo escuro. Hoje está tudo tão escuro. Não me lembro de te ver assim. Sentes que estás fora de controlo. O resto do mundo mantem-se funcional e tu... tu deixaste-te cair. Lembra-te que é hoje. Só hoje. 

Dá-me palavras que confirmem que não foi mais uma ilusão. Deve ter sido. É assim que funciona. Tu estás sozinha aqui e vais sempre estar. É a realidade que todos temos medo de encarar. Podes contar contigo e só contigo. As outras merdas são ilusões momentâneas que alimentam ciclos da vida para que formemos recordações, para que acreditemos que sim, que isto até vale a pena. 

domingo, janeiro 08, 2023

Sensações

Novas.
Inesperadas.
Agradáveis. 

Inconvenientes? 
Inoportunas?
Inadequadas?

Aconchegantes. 
Arrebatadoras.
Alegres.

Sabotagem consciente?

sexta-feira, janeiro 06, 2023

Tintas

É como se ele tivesse pintado um pequeno mundo só para mim. 
Há sempre um céu.
Há sempre caos. 
Há sempre reencontro.