sexta-feira, setembro 26, 2025

O foco

Também se perde. 

quinta-feira, maio 08, 2025

Coisas que se dizem

 Disseram-me para escrever a minha história e eu não consegui.

quarta-feira, maio 07, 2025

Fugir ao olhar

Não sei quando aconteceu.

Não sei se foi ontem ou há mais tempo.

Um dia ouvi que não desviava o olhar.

Hoje falo e fixo os olhos nos lados.

Desboto os lados como que para aumentar dioptrias.

Fujo dos olhos, do que me está a ser dito,

interrompo frases e falo por cima. 

Um dia ouvi que não desviava o olhar,

que fixava os olhos, 

que não receava a verdade que me era dita. 

Um dia tinha uma confiança diferente, menor,

reduzida, limitada talvez. 

Hoje noto isto. 

Paro. 

Penso.

Analiso momentos. 

Hoje quem sou eu?

Não quero ser a pessoa que foge aos olhares,

que se esconde em desfoques oculares propositados.

Procuro resposta.

Deixo de escrever.

Procuro quem sou agora. 

Reflito sobre isto e imagens invadem-me a cabeça.

Imagens finais de alguém que durante vários dias perdeu a capacidade de focar o olhar em mim. 

Sei que ela queria, mas já não conseguia.


Agora ando eu aqui a desfocar olhares.

Talvez para chegar mais perto daquilo que sentiste,

talvez para te desculpar,

talvez para confirmar que tudo foi involuntário.

Tu querias olhar para mim, mas já não conseguias focar.

Eu procurei, procurei e procurei.

Para ti cantei.

E quando te vi mudar de cor, vi também os teus olhos fecharem. 

Nunca mais souberam focar.

Talvez agora te procure nos desfoques involuntários, 

talvez estejas por lá à minha espera,

com outro foco, noutra parte da existência. 

Talvez lá te seja possível focar outra vez

e vejas o tudo que de ti em mim trago e a falta abismal que me fazes.

sexta-feira, setembro 20, 2024

Espaços temporais

Escreve mais.
Escreve até não poderes mais.
Escreve até te doer a mão, o pulso, os dedos. 
Escreve porque sentes que é urgente escrever.
Escreve mesmo que não saibas o que escrever.
Escreve nos dias bons.
Escreve nos dias maus. 
Escreve para que te leiam.
Escreve para meteres os textos na gaveta.
Escreve a olhar para as paredes.
Escreve sabendo que um dia terás outro cenário.
Escreve para releres a tua história.
Escreve para descobrires quem és.

Hoje. 

Amanhã. 

Daqui a 10 anos.

Escreve e acrescenta todos os pontos.
Escreve com confiança.
Escreve sem parar.
Escreve e respira. 

Hoje. 

Aqui. 

Antes de tudo.  

sexta-feira, fevereiro 16, 2024

Listas telefónicas

Nunca tive (ou tive e não me lembro) uma lista telefónica que não fosse digital. A minha mãe tinha uma (ou teve várias). Eu lembro-me da pequena lista telefónica verde com um desenho de um morango. 

É preciso ligar a alguém, vamos buscar a lista telefónica. Nela encontramos todos os números importantes e também todos os números que se tornaram obsoletos. Vamos comprar uma lista telefónica nova? Transferir os números de telefone de uma para a outra era uma tarefa morosa, provavelmente cheia de pequenos enganos e, por sua vez, de contactos perdidos para sempre. 

Hoje, nas listas automaticamente sincronizadas por contas e merdas, os números ficam gravados para sempre a não ser que os vamos intencionalmente apagar. O que terá mais impacto: renovar uma lista telefónica analógica e intencionalmente não copiar determinados contactos (e deitar fora a lista antiga perdendo assim qualquer chance de obter o número de telefone de volta) ou ir apagar digital e intencionalmente os contactos de pessoas cujo potencial presença deixou de fazer sentido nas nossas vidas? O que terá mais impacto no nosso interior? Tanto de uma forma como de outra, sabemos que existe sempre alguma forma de se obter novamente um número, mas estou a romantizar, sim. Qual a novidade aí? 

Apaguei muitos números que deixaram de fazer sentido guardar. Largo números, largo pessoas e largo impulsos futuros que se possam materializar em momentos cringe derivados de fragilidades emocionais. Bem sabemos que a vida é feita de momentos em que nos deixamos levar pelas emoções. Nada de errado com isso, mas a verdade é que pouco se ganha com determinados impulsos. 

Largo contactos. Rasgo uma página. Risco o nome e o número com muita força com uma caneta até que deixe de ser visível. Sim, romanticamente, antigamente é que era bom. Tudo tão recheado de simbolismo. Hoje, toca-se duas ou três vezes no ecrã e o nome da pessoa desaparece. Será tudo mais fácil ou tudo mais complicado? Será tudo mais descartável, substituível, mais banal? 

Largo fantasmas. Alguns já com barbas, outros que nem à puberdade chegaram. Largo todos. Romanticamente, só assim o podias fazer. Tu. 

terça-feira, fevereiro 13, 2024

domingo, fevereiro 11, 2024

The order that lies in the chaos

As you seek sense in the narrative, 
you realize, the tale is never truly original. 
Yet in its repetition, a subtle evolution you grasp.

And the heart...
The heart longs for faster heartbeats,
for skipped ones too. 
The heart longs for glimmer, 
just admit it, it's true. 

quinta-feira, fevereiro 01, 2024

Procura-me nas reticências

Amor, 
sinto-te perto.

Amor,
estou de braços abertos.

Amor, 
vamos reinventar-nos juntos.

Amor, 
saboreia o presente comigo.

Amor.
Amor.
Amor.

Quero saber o que vês quando as luzes estão apagadas. Quero dar-te a mão e apanhar sol na cara. Quero ir à praia contigo e beijar o teu peito com sabor a sal. Quero dançar contigo na sala. Quero que brinques com o meu cabelo. Quero que fiques a olhar para mim enquanto escrevo. Quero encostar a minha cabeça no teu ombro e chorar. Quero acordar com sono por termos perdido a noção das horas na noite anterior. Quero que me dês uma flor. Quero pegar em ti e ir olhar para quadros e esculturas e mares. Quero dar-te a mão quando o avião levantar voo. Quero sentir o teu cheiro quando não estás presente. Quero ter saudades tuas. Quero perder-me nos beijos que me vão apanhar de surpresa. 

Amor, 
anda. 

Amor,
estás à espera de quê?

Amor, 
sinto-te perto.

Amor, 
não me deixes fechar braços.

Amor?

Amor?

Amor?!

segunda-feira, janeiro 29, 2024

Apocalipse

Sempre gostei da palavra. Talvez por estar sempre à espera de acontecimentos apocalípticos inspiradores na minha vida. Talvez por sempre ter lidado com a ansiedade causada pela noção de que tudo tem um fim. 

O apocalipse - o fim de tudo. Achava eu. Erradamente. 

Apocalipse, do grego, apokálypsis, significa revelação. 

Não deixa de ser o fim de um tudo. Quando existe uma revelação, significa que reconhecemos algo novo e quando reconhecemos algo novo, inevitavelmente já estamos a presenciar um fim. O fim de um conceito, o fim de uma crença, o fim de um paradigma... 
Quer isto dizer que todos os dias nos encontramos perante um número imprevisível de acontecimentos que se podem revelar pequenos apocalipses. 

Esta ideia tanto me agrada, como me assusta. Podemos passar dias, semanas, meses ou mesmo anos sem viver um apocalipse. Podemos também passar por momentos em que, cada dia, somos expostos a revelações que nos põem em movimento e vão gerando os tais pequenos apocalipses. Apocalipses estes, maioritariamente interiores, profundamente pessoais, muitas vezes pouco perceptíveis a olho instantâneo. A maior parte das vezes só reconhecemos as revelações bem depois do apocalipse. 

Uma revelação - o caos instala-se - a vida como a conhecemos dá uma cambalhota - apocalipse. 

Eu acredito que todos os apocalipses são positivos. Não o identificamos no momento e, muitas vezes, não sabemos lidar da melhor forma com a nova informação que temos em mãos. Agimos, reagimos e só depois da poeira assentar temos acesso à vista panorâmica que se vai anunciando, meio sem jeito, meio tímida, mas muito bonita.  

sábado, janeiro 06, 2024

Se a chuva molhar a roupa que está a secar

Lava-se outra vez. Depois. Mais tarde. 

Fica nua com quem quer ficar nu contigo. 
De roupa. 
De segredos. 
De complexos e de medos. 

quinta-feira, dezembro 28, 2023

Abstinências

Qual o período de gestação para a criação de um novo eu?

domingo, novembro 19, 2023

Liberdade e páginas em branco

 


Porque às vezes é no meio do caos que encontramos o que precisamos. 

quarta-feira, novembro 15, 2023

Como os gatos

Quanto mais tempo passa

e o abismo entre nós já nem de ponte se atravessa, 

mais claro se torna que vivemos várias vidas. 


Talvez sejam sete.

Como os gatos. 

sexta-feira, novembro 03, 2023

Não são só os elefantes que fazem viagens

Contemplo um passo no seu compasso.

Admiro fatalidades que assim se estipulam.

Um passo de cada vez.

Em frente.

Esquerda.

Direita.

Marchamos.
Marchamos.


E um dia...
Chegamos. 

quarta-feira, novembro 01, 2023

Habitua-te ao acaso

O dia estava cinzento. Não que isso importasse. Todos os dias estavam cinzentos desde há uns tempos para cá. Mesmo com o sol a brilhar lá fora, as nuvens tinham agora lugar cativo dentro de ti. 

Antes, quando te sentavas no teu sofá de manhã a beber café, ouvir música e a deixar o sol aquecer-te a cara, sentias uma paz profunda. No entanto, sempre soubeste que essa paz era efémera e que te podia ser roubada a qualquer instante. 

Não gostas desta capacidade (característica? aptidão? idiossincrasia?). Sempre te causou algum receio. Por muito que às vezes pareça que o desejamos, nós não queremos ver o futuro. Nós não queremos saber o dia de amanhã. Só nos causaria dor (desalento? desespero? agonia?). Cada vez mais achas que tens em ti uma percepção distinta das pessoas e do mundo à tua volta. Isto não é necessariamente bom. Acabas por carregar um fardo desnecessário. Talvez por isso te tenham aconselhado uma trip de cogumelos mágicos de quando em vez. A inteligência emocional sobrecarrega-te. Será que todos partilham de tanta empatia pelos sentimentos e emoções dos outros como tu? 

A resposta é insignificante. 

O que agora sabes permite-te atravessar os trilhos impostos pela vida com, não diria mestria, mas uma agilidade que ganhaste a percorrer os trilhos anteriores. Não necessariamente mais fáceis, mas certamente com um nível de complexidade bastante inferior. Agora tens bagagem, tens cartas na manga e sabes melhor como funcionas para te tentares proteger das constantes armadilhas. Sim, quando somos mais novos temos problemas e desafios ininterruptos. Achamos que nada poderá ser pior, que não saberemos lidar com isto ou com aquilo no futuro. Não sabemos nada. Os problemas e desafios ininterruptos acompanham-nos sempre e tornam-se cada vez mais complexos. A nossa capacidade para lidar com tudo é que é inevitavelmente maior. 

Navegamos pela vida enquanto aprendemos a navegar. 

E, se tivermos sorte, habituamo-nos ao acaso, lembrando-nos sempre que esta vida são dois dias (e o Carnaval são três). 

terça-feira, outubro 31, 2023

Feeling big, small, scared, at ease


 

All of our stories in her story. E a noção cada vez mais presente de que isto tudo passa demasiado rápido. 

segunda-feira, outubro 30, 2023

Entre os 34 e os 35

Apetece-me ir a concertos.

As coisas evoluem ou morrem.

Dehors il fait du vent. Chez moi, je fais des mots. 

O papel se for apanhado pela água, desfaz-se. Eu, se for apanhada por ti, tens sorte. 

Decorar a árvore de Natal com aviões de papel. 

Metal heart?

Saramago também só publicou depois dos 60 anos. 

Con - su - mismo.

Kleine Fortschritte aufschreiben. 

A love song about overthinking?

Find a girl that'll make your head spin. Find a boy that'll take you out dancing. 

Pinguins imperadores.

Timings são tão importantes como as linhas. 

Waking life.

Some people are places to live in. 

Fascínio com a memória e os seus truques.

Eu nem sequer gosto de ti. 

Se o queres... Mostra!

Sobre ter calma e gerir expectativas. 

Vamos dissecar-nos mutuamente?

Detalhes que a uns irritam e que a outros fazem querer voltar.

Temos um problema ou a solução?

Quem lhes dera entrar no teu planeta.

Não mais sem sentido. 

Também isto vai ser uma história. 

Queria falar contigo, mas é tarde. Queria falar contigo, mas não sei se é melhor não falar. Queria falar contigo, mas és um estranho sem ser. Queria falar contigo e devia simplesmente fazê-lo. 

Lauryn Hill always. 

Fazer anos e...

domingo, outubro 29, 2023

sábado, outubro 21, 2023

(Quase) Todas as minhas coisas maravilhosas

O barulho da chuva a cair lá fora.
Ouvir uma música que não ouvia há muito tempo e ser transportada para outro lugar.
Beber água com gelo.
As unhas acabadas de pintar.
Ganhar consciência e fechar capítulos. 
O riso deles. 
Brincar. Provocar. Saber que posso. 
Ter consciência de que em menos de um minuto tudo pode mudar. 
Cabelo molhado, acabado de pentear. 
Mousse de leite moça.
Comida da mãe. 
Dormir a noite inteira. 
O mar.
Liberdade. 
Ser tia Joana.
Céu azul.
Café.
Música ao acordar.
Música a caminhar.
Música a cozinhar.
Música a tomar banho.
Música em omnipresença. 
Criar playlists.
Perder-me nos diálogos de um filme. 
A minha cama feita de lavado.
Dançar sozinha na sala.
Dançar numa sala cheia de gente e sentir-me sozinha. 
Fechar os olhos em cima da bicicleta.
Um segredo dito ao ouvido.
Festinhas que arrepiam. 
Olhos verdes.
Estar a ver um concerto e sorrir.
Um mergulho no mar e por lá ficar até a pele enrugar. 
Um beijo salgado. 
Quando vejo o T. depois de muito tempo e falamos sem falar. 
Uma conversa que faz as horas voar.
Fotografias antigas.
O banho depois do ginásio.
A voz do Alex Turner.
Passeios por entre o verde.
Acabar um livro que não queria que chegasse ao fim. 
Descobrir como usar uma palavra nova. 
Ir ao supermercado noutro país. 
Acordar sem despertador.
Quando o avião aterra.
Cozinhar, escolher filme, sofá, só eu.
A minha casa acabada de arrumar.
Mandarinas doces e sem caroços. 
Dar um passo de cada vez.
Quando me dizem que sou especial. 
Pasta quando as hormonas pedem.
Escrever em papel.
Uma voz especial dizer o meu nome. 
Ficar na cama de manhã. Por tempo indeterminado. Acompanhada. 
Perder a noção das horas a olhar para livros. Não comprar nenhum.



Saber que esta lista nunca terá um fim. 

domingo, outubro 08, 2023

Acto 2 - as histórias que se contam

Gosto muito de falar de mim e tenho sede de conhecimento. Vais achar que te apaixonaste por mim. Não vais perceber (logo) que sou narcisista.   

Estou aqui só de passagem. O meu voo foi cancelado. Vou falar contigo sobre a tua cidade, sotaques, palavras em português e crypto. Vais sorrir durante 2 dias seguidos. 

Gosto de ser excessivamente pateta. A minha maneira de falar vai-te irritar. O meu humor não vai ser compatível com o teu. Vamos beber demasiado vinho. Vais detestar encontrar o meu relógio partido na cómoda do teu quarto. 

Quero ir viver no campo. Vais adorar o meu gosto musical. Vou-te mostrar um álbum que vais gostar, mas que rapidamente vais voltar a esquecer. Não vou conter a surpresa quando me começares a contar sobre o teu portefólio. Vais-me pedir para falar em holandês e vais-te surpreender com tudo o que percebes. 

Tenho uma cabeça cheia de ideias. Sou a pessoa que pior te conhece mas que melhor te compreende. Vou-te preparar cocktails de verão. Tu vais-me tirar uma fotografia enquanto escrevo um poema sentado no parapeito da tua janela a fumar um cigarro. Vamos cantar em alemão. Vou tentar ensinar-te finlandês. Vou falar uma hora ao telefone com a senhora que me ajudou quando vivi nos Estados Unidos. Vou-te inspirar. 

Sou médico e gosto de o mostrar. Vais-te sentir incomodada com perguntas que faço e coisas que digo. Vou despertar em ti uma onda de mudança.

Nunca tenho oportunidades destas. Vou-me deixar hipnotizar pela tua forma apaixonada de falares sobre os teus interesses. Vais cringe. Vais guardar a peripécia só para ti. Vais-me pedir desculpa eventualmente e reequilibrar a tua mente.

Gosto de tudo o que tenha açúcar e sou feito de açúcar. Vou-te mostrar que nem tudo é impossível e ensinar-te que te podem tratar bem. Vais concluir, mais uma vez, que quando é, é e quando não é, não há nada a fazer. 

Somos tão iguais, mas também tão diferentes. Vais comprar um livro para mim que nunca me vais dar. Vais escrever a dedicatória e esperar o momento certo. O momento certo não chega. Sabes que tens de te proteger, sabes que isto se pode transformar em algo pouco saudável. Admiras a tua maturidade emocional. Admiras a tua capacidade de saber sair quando o momento chega. Mostro-te que há muitas ligações bonitas à tua espera. 

Aventura. Soberba capacidade de fazeres o que te propões. Hoje em dia. 

Sou igual a ti. Tu és igual a mim. Por isso mesmo temos de nos afastar. Deixo-te dois copos de vinho de tamanhos diferentes em casa. Não tens espaço para eles no armário. Criamos um lugar seguro. Falamos da Alda Lara, de concertos e dos discos que pomos a girar. Faço-te perguntas que te incomodam e vais começar a dar mais atenção aos teus sonhos. Despedimo-nos sabendo que nunca mais nos vamos ver. Ambos sabemos que é assim que tem de ser.  

Gostas da forma como pronuncio algumas palavras. Não gostas da minha falta de maturidade. Percebes que não há forma de contornar o que não é natural. E está tudo bem. 



Acto 3

sábado, outubro 07, 2023

Quero percorrer as tuas pernas com uma caneta

Vou começar nos calcanhares.
Subir devagarinho até aos teus joelhos,
depois descer, 
depois voltar a trepar.

Traço uma linha pela tua coxa. 
Uma só.
E a tua barriga oscila. 

Esboço estradas infinitas.
Primeiro na perna esquerda.
Depois na perna direita. 

Já não vejo o teu sorriso tímido.
Contemplo esses olhos que me arrebatam. 

Contorno agora a tua barriga.
A minha mão é guiada pela tua respiração.

Sei que me estás a pedir um beijo.
Quero muito dar-te um beijo.

Não dou.
Tu não me puxas para ti.

Vá, vamos ficar neste limbo.
Procura afeto noutros corpos.
Finge que a tinta da caneta é transparente.

Finge.
E eu finjo contigo.

sexta-feira, agosto 25, 2023

Discrepâncias

Ela era poesia. 

Ele não sabia ler. 


domingo, julho 16, 2023

Kintsugi

Atiro-me ao mar,
a água gelada faz-me parar de respirar.

Deito-me com todos os fantasmas,
revisito histórias sem correr perigo.

Atiro as fotografias ao fogo,
junto as cinzas num pote de café antigo.

Apanho todas as migalhas.
Não, nem aos passarinhos satisfazem.

Olho para o relógio,
a mensagem não vem,
não virá,
nunca mais. 

Sinto a imensidão deste vazio dentro de mim,
a fissura é hoje uma cratera.

Fecha.
Cola.
Pinta de ouro.

Encontro-me com as sereias que cantam,
mergulho bem fundo, 
elas puxam-me com as suas vozes.

E eu vou.

Onde a luz já não chega.
Onde os fins do mundo se encontram.

E deixo-me ir.

Até quando?

Até que me saibam ler. 

sábado, julho 15, 2023

Fixo

E se todos os aviões ficassem presos, estáticos no céu?

quarta-feira, junho 07, 2023

Blah

Down in the deep the honey is sweeter

Largar tudo o que é oco. 

Let go of the doubts, say yes
Let it soak up into the flesh
Never had this kind of nutrition 

Cravar um olhar.
Ocupar toda a pista de dança.

Darker the berry, sweeter the fruit
deeper the wounded, deeper the roots

Mergulhar.

Higher than a motherfucker

Em mim.

quinta-feira, junho 01, 2023

You turn me on

  

          Everything is collapsing, dear                                                           All moral sense has gone                                                                                                     It's just history repeating itself                                                                                                                                                        And babe

quinta-feira, maio 25, 2023

Nina

Gostava de ser uma voz gravada numa canção para alguém daqui a 70 anos ouvir e (des)aprender algo sobre o amor.

domingo, maio 14, 2023

Corda bamba

Confia, disse ele.

Somos sempre jovens.
Mesmo com barbas brancas,
mesmo com rugas formadas por choros e sorrisos,
mesmo quando precisamos de uma mão para descer as escadas.

Precisamos sempre de uma mão para descer as escadas.
É aconchegante. 
Nem sempre a temos.
A maior parte das vezes vamos sozinhos. 

Andamos sozinhos à procura de respostas.
À procura de perceber a passagem do tempo,
à procura de entender de que se faz o amor afinal,
à procura de desatar as nossas falhas,
à procura de olhar para tudo com mais humildade,
menos certezas, mais inocência. 

Dá a mão a ti mesma. 
Observa os adultos a andarem de um lado para o outro,
atarefados, concentrados em qualquer coisa que não consegues compreender. 
Preocupados, assoberbados. Com quê?
Ele não param, não se encontram consigo mesmos
Parar traz verdades que não têm coragem de encarar. 

Segue.
Segue assim tu. 
Ouve as canções de embalar.
Prende as palavras que te chamam a atenção.
Deita fora o receio de te mostrares vulnerável. 
Caminha sobre a corda bamba com mais firmeza.
Segue assim. 

Não queiras descobrir todos os sentidos escondidos.

Não já. 

sexta-feira, maio 05, 2023

Isto não se chama afasia

Esquece as filosofias,
Presunções, sabedorias.
Levada por impulso,
Escrevo linhas em forma de verso.
Escrevo para me salvar de algo.
Talvez para me esconder do universo.
 
Percebo que escrevo para ti.
Tento parar, não consigo.
Tira as tuas mãos de mim,
Vamos lá parar com as fantasias.
Isto não tem sentido.
 
Parar? Travar?
Não.
Não eles. 
Não agora.
 
Não agora que já te vi ao fundo das escadas.
Não agora que parei à tua frente e te olho nos olhos.
Não agora que a pressão magnética me obriga a dar-te um beijo.
 
O mundo congela.
 
Os teus lábios encontram os meus, mordem os meus, comem os meus.
A tua língua brinca com a minha, pede-me mais.
As tuas mãos descem pela minha cintura,
apertam-me, deslizam, 
apertam-me, sobem, 
apertam-me contra ti.
Agarras-me o cabelo para trás, beijas-me o pescoço.
Solto um gemido ao teu ouvido,
apertas-me com mais força.
Envolve-te em mim, prende-me os braços,
Faz com que me contorça.
 
Roupa arrancada espalha-se pelo chão.
Tocas em mim, vês como me deixas.
Pego em ti, vejo o que te faço.
Brincamos por entre beijos,
suspiros e sussurros.
Corpo contra corpo.
Sentidos envolvidos são já poucos.

 
Levados por instintos.

 
Parar?

Talvez.


Se formos loucos.

segunda-feira, maio 01, 2023

Lucidez

A cabeça da Joana 
está cheia de aviões.
São todos de papel
andam por lá aos encontrões. 

Sentada nas estrelas
fica a vê-los voar.
Às vezes agarra um com força
e fá-lo parar de girar. 

A cabeça da Joana
está cheia de passarinhos.
São todos coloridos
andam por lá aos burburinhos. 

Sentada nos jardins
fica a ouvi-los chilrear. 
Às vezes canta com eles,
outras deixa-se só encantar. 

A cabeça da Joana
está cheia de tubarões.
Todos são feitos de cera,
algo feios e dizem palavrões. 

Sentada nos corais
assiste aos bailes sobre a areia movediça.
Às vezes vai dançar com eles.
Depois volta.
O chão mais firme 
e ela,
mais castiça. 

sexta-feira, abril 21, 2023

Corvo

Cor negra.
Mexes-te depressa.
Assumo que procuras um cadáver.
É isso que conheço da tua espécie.

Porquê?

Uma qualquer memória de infância. 

Terá sido um jogo?
Uma conversa?
O coração das trevas?

Assumo que te vou ver a debicar um globo ocular.
Assumo que vou ver sangue e nervos.
Assumo que andas de mãos dadas com a morte. 

Encontro-te pela cidade e pelos campos.
Tu nem olhas para mim, andas ocupado nos teus afazeres. 
Eu decido dar-te importância, conteúdo e essência. 

Equivocada sigo. 
Ancorada a ilustrações surrealistas.
Atracada a sentidos que só se comprovam no meu imaginário.  

Cor negra.
Mexes-te depressa.
Assumo que procuras um cadáver.
É isso que conheço da tua espécie.

Está frio e chove.
Paras à minha frente.

Olho para ti.
Tu olhas para mim. 

A minha espécie vira tua,
a tua espécie vira minha.

Damos as mãos.
Formam-se estradas. 
Vagueamos por contratempos. 

Eu sempre fui negra
e tu sempre formaste um pedaço de mim.

domingo, abril 02, 2023

Vamos falando

Quantas vezes serão ditas estas duas palavras com a genuína intenção de se ir falando?

Quantas vezes se vai mesmo falando?

Conta. 

sexta-feira, março 31, 2023

Amanhã é dias das mentiras

E será mentira

quando disser

que não tenho pensado em ti. 

segunda-feira, março 27, 2023

E assim, sem demora

E assim, 
sem demora,
enquanto se tenta fugir a simbolismos,
a orquídea dá flor.

E assim,
sem demora,
dois botões brancos brotam sem hesitação,
sem tentativa de ostentação.

E assim, 
sem demora,
os dias fazem-se mais compridos,
o sol sente-se mais quente
e os cérebros pintam melhor as suas utopias. 

E assim, 
sem demora,
demoro pouco a perceber,
que se a minha magia se juntar à tua
e soubermos desvendar o condão,
toda a prosa será poesia,
e tu,
e eu,
passaremos a adormecer
ao som do mesmo refrão. 

segunda-feira, março 13, 2023

Era uma vez uma Hera

A miúda nunca gostou de ser o centro das atenções. Desde muito pequena que se lembra de reunir esforços para se esquivar de situações que a expusessem mais do que o necessário para ser socialmente aceitável. Foi crescendo com a ideia que possuía uma falta de capacidade para se relacionar com as pessoas de uma forma normal. Se a miúda visse alguém que conhecia com distância suficiente para não se aperceberem da presença dela, procedia logo à fuga da possível ocorrência de encontro. Perdeu a conta de quantas fugas foi protagonista nos últimos anos. As conversas banais, a falta de assunto e a obrigatória cordialidade dos encontros de circunstância sempre lhe causaram alguma ansiedade. Se um encontro é infrutífero, para quê tê-lo? Para quê fingir interesse pela vida ou bem-estar da pessoa aleatória que se encontra, só para respeitarmos o fluxo natural de interações socialmente aceitáveis? 

Encontramos a miúda algures em Outubro, algures perdida pela sua cidade enquanto estas e outras ideias lhe preenchem a cabeça. Passear pela cidade sozinha tem-se tornado um hábito cada vez mais apreciado. Descobrir cantos e recantos que não conhece ainda. Perder-se por caminhos que achava já ter percorrido e acabar por ir parar a uma rua familiar sem saber como. Entendem-se geografias novas, formam-se mapas que amanhã vai esquecer. 

Passa por um pequeno café e pára. O café não tinha muito mais do que um balcão e umas  mesas quadradas. As cadeiras captaram a sua atenção. Eram exatamente iguais a uma cadeira que havia em casa da sua avó. Nunca gostou de se sentar nessa cadeira, era dura e desconfortável - ferro preto, tampo e costas de um verde que não sabe descrever por palavras. A cadeira era raramente usada. Encontrava-se na entrada da casa, encostada a um canto perto da despensa. Aquela zona da casa tinha  um cheiro característico. Ela sempre o qualificou pela presença das areias do gato, mas o cheiro subsistiu mesmo anos após a sua morte. Nunca gostou do cheiro, mas neste momento estava a senti-lo ao olhar para aquelas cadeiras verdes. Sente o cheiro e sente-se pequena, sente o cheiro e afoga-se em saudades. 

Agora estava em frente ao portão verde da casa da sua avó. A hera verde que percorria as paredes e a estrutura de metal que se formava em arco até a entrada de casa sempre deu um aspecto majestoso àquela passagem. Se nos déssemos ao trabalho de reparar, víamos. A miúda nunca contou a ninguém, mas várias vezes se imaginou a percorrer aquele corredor de flores vestida de branco. O mesmo corredor onde gravou uma das suas primeiras memórias de infância - o caixão do seu avô a ser levado para fora de casa, em direção ao portão verde (que na altura era branco). Tão depressa um cenário pode representar vida e esperança, como a morte e o momento do adeus. Dualidade maravilhosa. 

Maravilha é descobrir que Hera, rainha do Olimpo, era a deusa protetora do casamento, das mulheres e da família. Maravilha é lembrar que a hera verde sempre esteve presente à sua volta. Nos almoços de família que se prolongavam até à noite, nas corridas e brincadeiras de todos os miúdos que foram crescendo, nos banhos de sol na pequena piscina, nos medos disparatados dos cães que foram indo e vindo, nos sorrisos e gargalhadas. No choro afundado em abraços fortes no dia em que a avó da miúda morreu. 

Hoje a casa já não existe. A hera desapareceu com a sua demolição. O terreno é ocupado por um quadrado de madeira sem vida. É difícil compreender estas passagens de tempo, estas mudanças que ocorrem e que nos vão levando ao sabor de uma maré invisível até outros hábitos, até outras casas, até a um café que tem cadeiras iguais às de casa das nossas avós. 

A miúda tem aprendido a encarar a passagem do tempo e a consequente morte de rituais passados com mais leveza, mas não consegue deixar de ficar maravilhada com o poder dos gatilhos que vamos encontrado pela vida e que nos levam em viagens a momentos já vividos. Tempos que foram bons e que já não voltam, mas que guardamos por cá até que um dia a memória nos comece a falhar. 

Era uma vez um lugar. Era uma vez um espaço que juntava uma família. Era uma vez um sítio umbilical. 

Era uma vez uma miúda que se viu Hera e deu novo sentido ao universo. 

quinta-feira, março 09, 2023

De repente. Não mais que de repente.

Náusea. 

Gosto muito mais em inglês: motion sickness

Menos enjoativo. 

Além disso é o nome da música que me trouxe aqui. Começou a tocar de repente e de repente, não mais que de repente, eu estava em Madrid com a C. De repente, não mais que de repente, chego à conclusão que esse evento foi há 10 anos e sinto-me nauseada. Positivamente nauseada. Nauseada porque de repente, não mais que de repente, todas as sensações, ideias e ingenuidades de uma vida com menos 10 anos de experiências em cima tomaram conta da minha cabeça. De repente, não mais que de repente, eu estava em Madrid a dançar, a cantar, a ser idiota pelo Retiro e a ver o mundo a passear enquanto bebia uma cerveja na varanda do D. 

De repente, não mais que de repente, fiquei leve. 

quarta-feira, março 08, 2023

Vermelho e mulheres bonitas

Resumo de uma noite com magia.

segunda-feira, março 06, 2023

Vou contar-vos uma história

Uma história daquelas bem simples. Uma história que, de tão simples, nem valeria a pena contar, não fosse a minha vontade. 


Vontades... É disso que se faz um dia, uma semana, um mês, a vida. Um vai e vem de vontades que podemos ou não satisfazer consoante as condições, meios e as intermitências impostas pelo simples facto de existirmos. A incerteza é das poucas certezas que podemos ter. O que estava certo ontem pode, hoje, ser um perfeito disparate. Um disparate perfeito, pois sem ele(s), não haveria peripécias dignas até a luz se apagar de vez.

A história acontece numa cidade perto do mar. Há sempre uma brisa no ar que vai ditando o que cada um sente. Parece que brisa traz com ela todas as verdades do mundo. E frio, também traz algum frio à noite.

Os dias passam e a nossa protagonista perde-se em horas passadas na praia, perde-se em horas a tentar ter conversas que a enriqueçam. A tolerância para conversas banais parece cada vez mais escassa. Não sei se o hei-de definir como falta de capacidade ou ganho de perspectiva. Seja qual for a definição que melhor se aplica, nem uma, nem outra é negativa. Todos os papéis espalhados pelo quarto, as mensagens deixadas na areia, a tatuagem no banco de jardim formam os pedaços da história que não vale a pena contar. Ella, a protagonista deste espaço e de todos os que ainda não atravessou, gostava de deixar pedaços do que lhe vai na alma espalhados por aí. Por essa razão, a cidade perto do mar, conhece-a melhor que ninguém.

Enquanto Ella acorda para mais um dia de ociosidade, os pescadores já lançam as redes em alto mar para procurar alimento para tantos outros que sabemos que por aí andam, mas não conhecemos. Ella não seria capaz de ser pescadora. O mar, tanto a arrebata com a sua beleza infinita, como a enche de medo quando nos dias cinzentos bate contra as rochas sem a menor compaixão.

Ella encheu-se de novas perspectivas nos últimos tempos. Coisas da vida, circunstâncias, momentos, são agora apreciados e vividos de uma maneira diferente. Uma maneira mais rica, talvez. Tudo isso contribuiu para que o encontro daquele dia não passasse despercebido a Ella. Deitada na relva do jardim, enquanto lia palavras que alguém escreveu, parou ao sentir algo pousar no seu braço. Rapidamente enxotou o pequeno bicho que lhe fazia cócegas e antes que pudesse voltar a pousar os olhos nas palavras que outro alguém escreveu, viu-o. Era ele... Nunca o tinha visto antes, mas sabia que era ele. Moreno. Cabelo descuidadamente charmoso. Barba charmosa no seu descuido. A maior surpresa: estava a ler as mesmas palavras que outro alguém escreveu que ela. Não vou contar que palavras liam, porque começaria aí a pensar nessa história e não nesta, que de interessante, não tem nada.

A leitura do livro passou a servir de disfarce a partir daquele momento. Ella era assim. Podia estar submersa nas suas ideias e no seu mundo, mas se algo captava a sua atenção, o protagonismo era reassumido. Rapidamente percebeu que ele também a observava e que usava a mesma camuflagem de páginas cheias de palavras que ela. O seu coração começou a bater com mais força. Envergonhada pela descoberta focou o seu olhar na primeira palavra que viu: Roma.
Ella era assim. Independente e confiante até a timidez de criança inocente se apoderar de todas as suas entranhas.

Encadeada pela palavra e pelo sol que teimava em bater contra o livro, demorou, sabe a brisa quanto tempo, a reparar que ele se tinha sentado ao lado dela. Levantou-se abruptamente e olhou para os olhos dele. Os dois com os livros na mão... Os dois... Dois estranhos a olhar um para o outro... Desataram às gargalhadas. Nervosismo combinado com o desconhecido da situação, combinado com Ella saber que era ele.

Não me lembro da primeira palavra que trocaram, nem das outras 23 mil que se seguiram nessa tarde. Mas lembro-me da palavra para a qual Ella olhou quando a sua timidez a obrigou a refugiar o olhar no livro.

Foi Roma. E Roma, ao contrário, lê-se amor.

quinta-feira, março 02, 2023

Qual é coisa qual é ela

Que tem a capacidade de nos dissolver em milhares de partículas?

quarta-feira, março 01, 2023

Gosto de portas

Portas fazem o mundo exterior parar. 

segunda-feira, fevereiro 27, 2023

Parce que c'était lui. Parce que c'était moi.

Conheceram-se ontem.
Hoje foram viver juntos. 

Ele já não faz o café todos os dias.
Ela prepara duas marmitas para o dia seguinte em vez de uma. 

Os objetos de cada um convivem uns com os outros. Completam-se. Por vezes repetem-se. 

O volume da música está sempre muito alto.   

Ela sente o cheiro a café. Levanta-se. 
Ele estende o braço com uma caneca cheia. Abraçam-se.

Há sempre três mantas à volta do sofá. Ele dobra. Ela embrulha-se em todas ao mesmo tempo. 
Os livros ficam espalhados pela casa. Ela sabe sempre onde está o que ele procura. 

Ela dança enquanto cozinha. 
Ele vê uma sombra a mexer-se. Aproxima-se por trás dela e dá-lhe um beijo no pescoço. 

Os copos de vinho ficam sempre por lavar até ao dia seguinte. 

Ele trabalhou até tarde. Ela já tinha adormecido no sofá da sala. 
Ele sussurrou-lhe boa noite ao ouvido e mostrou o que tinha trazido para jantar. 
Ela olhou para ele e ouvindo a música a tocar baixinho, levou-o para dançar. 

Conheceram-se ontem.
Hoje foram viver juntos.
Parce que c'était lui.  Parce que c'était moi. 

quinta-feira, fevereiro 23, 2023

Linhas tortas

Alice saiu do quarto e foi tomar um banho. 

Alice sentiu a água deslizar pelo seu corpo.

O que é que se com a invasão inoportuna ao nosso cérebro de fotogramas que nos fazem precisar de tomar um banho gelado outra vez?

Alice não sabia. Alice ainda não sabe. 
 
Alice pára. Alice anda. Alice esquece. 
 
Alice, decide. Decido o quê? 

Alice, pára com os extremismos. Deixa isso para a política.

domingo, janeiro 22, 2023

Túlipas amarelas

Pouco tempo em Amesterdão. O suficiente para perceber que tenho voltar a passear por aquelas ruas. O suficiente para perceber que tenho de me sentar a beber um copo de vinho num qualquer barco, num qualquer canal. Estava frio quando estive em Amesterdão. Não muito. O suficiente para eu achar que está muito frio. Não é preciso muito. Já foi preciso mais. Para eu achar que está frio. 

A Night-Blooming toca. A primeira vez que a ouvi estava em Amesterdão. Sempre que a oiço (ouço? - ambas as formas são corretas - ok) transporto-me para o momento em que perguntei o que estava a tocar. Sempre que a oiço apetece-me dançar. E danço. E estou no meio de uma sala cheia de gente. E não vejo ninguém. E mexo-me e salto de um lado para o outro. E o cabelo abana. E os braços vão para a cima e para baixo. E um sorriso forma-se. E quase que me emociono com esta imagem.

Já dancei muitas vezes embalada por esta voz e por esta batida em crescendo. Apetece-me dançar agora. Dançar mais uma volta antes de continuar a escrever. Será que escrevo de forma diferentes se for dançar e depois voltar? Será que volto com outras ideias? Não, não vou testar agora. Está frio e as duas mantas em cima de mim geram um certo impedimento. No entanto, o sorriso não sofre impedimentos e rasga-me a cara. 

Only in darkness does the flower take hold, it blooms at night. Preciso da escuridão, da noite, de me perder, de me enterrar em sensações e ideias tenebrosas. Perco todo o otimismo e a esperança dissipa-se do meu universo. Tudo negro para que aos poucos possa voltar a deixar a luz entrar. A luz volta sempre a entrar. Há sempre uma fissura que chama a claridade e, pouco a pouco, permito-me voltar a ver o mundo através das lentes boas. Através das lentes que devia usar todo o tempo, porque está tudo bem, porque se deixa a vida andar, porque não tem de ser tudo complicado. Será que consigo fazer a escolha sensata da próxima vez que for invadida pelo dark side? Será que consigo controlar isto? Sei lá. A informação está presente, mas também sei que às vezes é preciso irmos dar um passeio ao fundo de nós para voltarmos iluminados. Para sermos mais nós. 

Por agora fico com a música. Com esta e com todas as outras que me embalam e dão mais sentido aos meus dias.

E deixo-me maravilhar com a conclusão que sempre tive uma flor favorita.

sexta-feira, janeiro 20, 2023

É

 Männer denken nicht so viel nach.

segunda-feira, janeiro 16, 2023

Quando a felicidade mete medo

Pensar. Pensar em como vou sair deste estado. Primeiro gostava de perceber o que me fez chegar a este estado. O que foi? Ontem parecia estar tudo bem. Hoje acordo e o mundo está escuro, cinzento, negro. Todas as cores supostamente representativas de algo mau. Entro em mim. Durmo. Acordo. Cansaço. Arrumo. Arrumo porque procuro ordem. Procuro ordem na minha cabeça e não a encontro. Busco então por ela no mundo físico. Tenho a cabeça desordenada porquê? Parecias estar tão bem. Sempre que falas no assunto dás ênfase ao equilíbrio. Estarás tu a mentir a ti própria mais uma vez? Outra vez? A sério... Cresce. 

Vou desistir destas merdas. 

E agora? E agora está tudo na mesma. Vejo o mundo escuro. Hoje está tudo tão escuro. Não me lembro de te ver assim. Sentes que estás fora de controlo. O resto do mundo mantem-se funcional e tu... tu deixaste-te cair. Lembra-te que é hoje. Só hoje. 

Dá-me palavras que confirmem que não foi mais uma ilusão. Deve ter sido. É assim que funciona. Tu estás sozinha aqui e vais sempre estar. É a realidade que todos temos medo de encarar. Podes contar contigo e só contigo. As outras merdas são ilusões momentâneas que alimentam ciclos da vida para que formemos recordações, para que acreditemos que sim, que isto até vale a pena. 

domingo, janeiro 08, 2023

Sensações

Novas.
Inesperadas.
Agradáveis. 

Inconvenientes? 
Inoportunas?
Inadequadas?

Aconchegantes. 
Arrebatadoras.
Alegres.

Sabotagem consciente?

sexta-feira, janeiro 06, 2023

Tintas

É como se ele tivesse pintado um pequeno mundo só para mim. 
Há sempre um céu.
Há sempre caos. 
Há sempre reencontro. 

domingo, dezembro 18, 2022

Ausência de coragem

Ouvir um piano tocar quase sempre me emociona.
É tão mágico que um instrumento consiga expressar tudo aquilo que eu te quero dizer e não consigo. 
Não consigo, porque ainda nem sequer tentei.
Acho que se te chamasse, tu vinhas. 

Acho. 

Não tenho certezas de nada.

Há dias e há noites e há músicas que tocam.
Há ideias que se formam e há conteúdos que não se partilham.
Porquê? Não se partilham porquê?
Se soubesse responder a essa pergunta talvez não estivesse a escrever aqui. 
Já sabes que quando aqui escrevo...

Quando aqui escrevo estou em mim, comigo e não consigo sair. 
Quando aqui escrevo procuro respostas.
Quando aqui escrevo sinto-me a afundar.
Quando aqui escrevo vou ainda mais longe do que devia.
Quando aqui escrevo tento dissecar-me. 

Pára. Dirias. Fala comigo.
Manda-me uma mensagem. Liga-me. Bate-me à porta. 
Não te feches em ti. 

Fecho-me em mim por receio de te intimidar. 
Por receio que te afastes. 
Por receio que me vejas complicada. 

Sou complicada, sou obscura, por vezes incompreensível. 
Formo labirintos na cabeça e procuro saídas. 
Emaranho linhas e fico presa nos nós. 
Sou difícil de perceber, demasiado profunda para ler. 

Fecho-me aqui. Fecho-me assim.
Receio que não gostes de puzzles e que perca o encanto aos teus olhos. 
Vou-me fechar hoje.
Vou-me deitar triste.
Vou ouvir mais pianos a tocar. Deixar que as melodias me levem.
Talvez para me perder. 
Talvez para me desapegar. 

De ti.

domingo, setembro 11, 2022

Em menos de 1 minuto

Pegaste-me no braço e deste um beijo na minha tatuagem.

terça-feira, agosto 16, 2022

Gustav

Mahler plays.

Well, not Mahler, but his symphony.

Birds fly by my window and the sky is so beautifully blue.

I sit on the floor. 

This is just too much to be felt on a soft surface. The piano plays harder. I get softer. Within myself lie all of the unanswered questions the world has ever asked. 

Hey, how are you managing so much pain?

The music. The music makes my heart smile through it. It's hurting, yes.. Every step of the way. Not gonna lie. But it's a pain that I have to feel. I need to feel all of this. So I can eventually walk away from it.

No, walking away is not possible. You know too much, baby. And you just love to feel everything so deeply. You need it. You crave it. You're not yourself without it. 

Oh, how I wish I could help you get through it. Clear up all of your thoughts. Scrub away all of the pain they caused. Put a bit of make-up over all of the scars. 

Go. Pour yourself another glass of wine. It's fine. Eitherway, you're a great kisser. 

The symphony keeps playing. You keep on feeling every stroke of the piano deep inside of your skin. You're happy.

It hurts.

After all of this... You will have grown a bit more, get to know yourself a little bit better and maybe, just maybe, it won't hurt as much as before. 

sábado, agosto 13, 2022

Avisa-me quando chegares a casa

Não foi só uma palavra. 

Foram muitas as palavras trocadas.

Palavras trocam-se.

Alguém forma uma ideia sobre ti e sobre mim. 

Uma ideia apenas. 

É difícil dar a conhecer todos os enredos que nos transformaram naquilo que somos.

É difícil explicar os eventos que foram dando forma às nossas ideias, às nossas manias, aos nossos medos.

Apesar de tudo, vamos tentando.

Vamos trocando enredos uns com uns outros.

Vamo-nos identificando com histórias e ideias. 

Vamo-nos aproximando ou afastando de alguém.  

Vamos pedindo para nos avisarem quando chegarem a casa com a esperança que um dia a frase se faça sentir cá dentro e se faça sentir na outra pessoa. 

Já pedi para me avisarem. Já me pediram a mim para avisar. 

Ainda não percebi quando te vou pedir a ti.

sexta-feira, agosto 05, 2022

The dance

The moon hit the sky,
and way before that,
you were already in it. 

You could blame alcohol. 
You won't, darling.

You blame the eyes and the smiles.
The laughs and the spilled glasses. 
The unlocking of hearts.
The shared darkness. 
The unsaid parts.

You blame the silence and the words written on paper.
The cooking and the playlists, the singing and the banter.
The immediate presence that left worries or plans for later. 

You blame the hours turning to past,
you blame the clock you didn't mind spinning.
The stories of designs scratched on the skin 
and the tales that tattoed your hearts from the very beginning. 

You blame the lips, the kisses, the touch.
The desperation voiced in a whisper.
The remarkable absence of decency, 
and the longing for, just one more, round of twister. 

You blame the forced rhymes and even the unforced ones too, 
you try to blame something. 
It seems like the right thing to do. 

But you know what?
You can't blame flow and life is flux. 
Get high on every moment, feel every rush. 
The heartbeats, as you go, will light up the way,
as long as you feel them, know all is okay. 
Watch the moon, little girl, long for the boy watching it too,
you're not weak for that, you're just being you.
The path may be wild, but it's fine, my darling. 
One day, all the answers, in it, you will find.

segunda-feira, agosto 01, 2022

sexta-feira, julho 22, 2022

Chão e Alcatifas

Há 8 anos atrás sentaste-te no chão na casa de Viseu. Recusaste um jantar. Recusaste sair e sentaste-te no chão. Jeff Buckley nos ouvidos. Um caderno e uma caneta no colo. 
A letra da "Lover, you should've come over" escreveu-se no caderno e entranhou-se em ti. Unhas cravadas na tua pele. Abriram um portal para o teu interior e fizeram com que te deitasses no chão. Aquela alcatifa castanha abraçou-te e tu deixaste-te ficar ali durante muitas horas. Não sabes quantas. Não havia mais nada ali. Não havia mais nada no teu mundo. Estavas a ser consumida por um vazio tão grande que não eras capaz de dar o menor dos teus passos em direção a algo que te salvasse. Não sabias como. A dor daquele vazio era tão forte que a sentias entranhar-se em cada centímetro do teu corpo. A tua garganta estava fechada com um nó tão apertado que às vezes até te custava respirar. 

E hoje?

Hoje relembras este momento sem vontade de voltar a vivê-lo, mas com algum carinho, por ter sido o primeiro. Se não te tivesses rendido ao chão todas as vezes que tiveste de te render ao chão, também não terias deixado que o teu corpo passasse pelos processos de purga. Foram vários os pedaços de chão que te abraçaram por diferentes razões, em diferentes momentos da tua vida. Só sentes que uma casa é tua quando passas por esse processo no novo chão. Aí sim, encontras o conforto do espaço e a segurança que, dali, não passas. É só deixar o tempo andar. Eventualmente levantas-te e segues a tua vida, mas tens sempre um chão, um tapete, uma alcatifa onde as lágrimas das tuas lamúrias caem e secam. 

Esta casa?

Esta casa já te viu no chão. Viu-te cair. No dia em que abriste a porta de casa com as lágrimas já a querem sair. Lembro-me como deixaste tudo cair e te deixaste cair com tudo. No chão. Estava frio e tu ali ficaste. De casaco vestido. Botas calçadas. A ver um charco de lágrimas formar-se na madeira. Esse foi o momento em que sentiste esta casa tua. 

Se as paredes desta casa falassem... Descobriste tanto de ti aqui. Até a Alice encontraste enquanto habitavas este espaço. E queres ouvir um segredo? 

You can't always get what you want
but if you try sometime, well, you just might find,
you get what you need!

sábado, julho 16, 2022

Gostava de usar o teu nome nas costas

Vestir a tua camisola antiga, no dia seguinte, de manhã cedo.

Aquela do clube em que jogavas quando eras pequeno. 

Gostava de ir almoçar contigo numa
esplanada ao sol. 
Com vista para o lago, 
com vista para as árvores, 
com vista para ti. 

Como aquela miúda loira usava o nome dele, 
gostava eu de usar o teu nome nas costas.

terça-feira, julho 05, 2022

Deambulando apaixono-me

Pela miúda que me atendeu no Starbucks do aeroporto.

Pelo rapaz no mercado de rua. 

Pelo sorriso da mulher que me disse bom dia ao sair da escola. 

Pelo gajo dentro daquela loja de roupas. Que perfil, que jawline, que olhar. 

Pela simpatia da Ivonne.

Por aquele gajo no parque das montanhas.

Pelo bigode irritante do gajo no comboio. 

Pela cor dos olhos da miúda sentada à minha frente no avião. 

Pela presença presente dos putos e por me terem lembrado que sou uma criança. 

Pelo gajo que vageou sozinho pelo palco.

Pelas coisinhas brancas que voavam por todo o lado.

Pelo pai, o filho e o avô a darem toques na bola. 

Pela forma como o R. disse: "confia em mim".

Pelos arrepios que as mãos fizeram o meu corpo produzir. 

Pelo livro que ninguém me disse para ler. 

Pelos shining eyes para os quais o D. me alertou.

Pelos novos caminhos que descobri querer escrever.

E um dia

vou-me apaixonar por ti. 

sexta-feira, julho 01, 2022

Apaixonada

Apaixonada pela palavra APAIXONADA.

APAIXONADA apaixona-me o cérebro.

O cérebro de um apaixonado sofre de uma moca natural e constante.

É habitado por uma neblina saudável(?).

Apaixonada por ti.

Apaixonado por mim.

Acho que me estou a apaixonar por ti.

Uma apaixonado também se esconde.

Uma apaixonada pode não perceber. 

Apaixona-me essa paixão que tens por gestos mundanos.

Se me apaixonar...

Depois de te conhecer...

Fim da vida como a conheço. 

Apaixona-me.

Apaixono-me devagarinho por ti. 

sábado, junho 25, 2022

Fila do supermercado

Conversas sobre os exames nacionais. Partilham-se ideias, notas, decisões tomadas. Olho para elas, para o cabelo esticado na perfeição, para a mala (provavelmente cara) pendurada no ombro e para as merdas que estão a comprar para comer. Gostava de lhes dizer que há coisas que vão perder importância com o passar do tempo e outras tantas que se vão tornar importantes. Gostava de lhes dizer para largarem as preocupações, que o tempo as vai ajudar a chegar onde devem chegar, não precisam de pensar tanto. 
Não precisam de pensar tanto, nem tão estupidamente. 
Não digo nada. 
Espero a minha vez. 

quinta-feira, junho 23, 2022

Wicked game

Para ela foi tudo. 
A natureza da miúda não permitia que tivesse sido de outra forma.

Para ele foi quase nada.
Um rabisco no caderno de experiências.

Agora que ela o sabe, 
agora que a verdade foi cantada,
ele perdeu-a. 
Perdeu-a sem saber que alguma vez a teve.

As antigas canções de amor falam de uma forma que bate mais cá dentro. 
Porque, como dizia o outro, "antigamente é que era bom".

Ei, saudades tuas, outro. 
Ias sorrir como eu estou a sorrir agora se lesses isto. 
Mágico como as linhas de pensamento mudam.
Mágico para onde esta conversa me levou. 
Só eu sei. 

sábado, junho 11, 2022

Qual é a tua ideia?

Dizeres que vens e que vais.

Qual é a tua ideia?

Mostrares vontade de me vires dares um beijinho?

Qual é a tua ideia?

Passarem os dias e não dares notícias.

Qual é a tua ideia?

Mexeres comigo um bocadinho outra vez.

Qual é a tua ideia?

Não te posso dar nada.

Qual é a tua ideia?

Esta história já foi escrita.

Qual é a tua ideia?

Eu nunca acreditaria.

Qual é a tua ideia?

Nós nunca faríamos sentido.

Qual é a a tua ideia?

Já passou demasiado tempo, sei demasiadas coisas sobre ti.

Qual é a tua ideia?

Por favor, nunca mais roubes nenhuma ideia de mim.

sexta-feira, junho 10, 2022

Farô x 3

Queres esperar aqui pelo teu voo?

Finde es eine schöne Idee. 

Atirar objectos para dentro do armário. 
Vestir umas calças e um top.
Não este preto, não. Demasiado "anda cá".
Merda, está tudo desarrumado. 

Hey, habe gerade ein Uber bestellt. 

Tenho gelo. Pouco. Chega para o gin. 
Loiça para dentro da máquina de lavar. 
Fechar a porta do quarto. 

Espelho.
Boa cor de pele. Cabelo fixe. Tão comprido.
 
Bin schon unten.

Histórias desbobinam-se.
Que olhos. Que cor.
A intensidade com que focas os teus olhos nos meus enquanto falas.
Eu também sei jogar esse jogo. Cuidado. 
Focamos. Sorrisos. 
Gin de lado.
Tocas-me na perna. 
Aproximo-me. Um bocadinho só. 
Ensino-te palavras em português. 
Tu repetes. És cute.
Olho para baixo a sorrir. 
Beijo. 

Dou-te a mão e levo-te para o quarto. 
Agarras-me por trás e começas-me a tirar a roupa. 
Segue-se a descoberta de um talento difícil de ignorar.
Habilidade, maestria, aptidão?
Arrepio. Contorção.
Não sei quem és, não sei se te vou ver outra vez,
mas flashes do que me fizeste ainda não pararam de invadir a minha cabeça.

Warum lachst du denn?

Fizesses tu ideia do dom que vive em ti.

domingo, junho 05, 2022

Impecável

Costumas vir aqui?

Sim, costumo estar no meio da rua, entre multidões de pessoas, enquanto música popular é cantada de uma varanda e o ar está envolto de cheiro a sardinhas. 

Impecável...

quarta-feira, junho 01, 2022

Máquina de escrever

Lembro-me que tinha uma máquina de escrever quando era pequena. Era azul e amarela com teclas vermelhas. Não sei que idade tinha quando a recebi, nem guardo memórias de alguma carta escrita na dita máquina. Lembro-me de ser chato de usar. Bastava um erro para arruinar toda uma folha. Sim, porque quando escrevemos à máquina também procuramos algum tipo de perfeição. Só tenho memória disso. De ser chato. O que aconteceu à máquina? Onde a guardava? Quanto a usei? Não sei. Talvez pergunte aos meus pais. Talvez eles façam ideia. 

Quem queres iludir? É óbvio que eles não sabem. O meu pai sempre alheio à realidade. Via-nos, mas nunca olhou para nós. Para mim e para o meu irmão. Nós estávamos lá. Presentes naquela casa, mas sem sermos vistos. Fazíamos coisas todos juntos, ríamos e fortalecíamos ligações em momentos esporádicos a caminho de Viseu, mas o essencial de cada um de nós... Não, isso não. Isso ele nunca quis ver. Falta de capacidade? Atenção? Preocupações com êxitos académicos, a correcta conjugação de verbos, a falta de plural no verbo haver, a resposta exageradamente detalhada a todas as perguntas, a possível oferta de vinte CD's caso adivinhássemos o artista de determinada música.... O meu pai é uma personagem. Disse-lhe hoje que um dia podia escrever um livro sobre ele. Já é o segundo livro que digo querer escrever. O livro com a história da Z. e um livro sobre o meu pai. Enfim. Pais. 
Os meus pais fizeram tantas coisas mal, mas outras tantas, bem. Havia uma casa, havia tudo o que nós queríamos, havia pouco controlo. Nos anos mais complicados de um adolescente e mesmo na pós-adolescência, quando vivemos um momento crucial de descoberta de quem somos, do quem e o que queremos ser. Um momento em que a orientação certa pode ter um impacto forte no futuro. Eu e o meu irmão não tivemos orientação. Tivemos de nos orientar sozinhos. A liberdade imposta e a cegueira dos nossos pais foram-nos deixando ir. E nós fomos e o meu irmão soube fazer as coisas, ou melhor, ter a noção do que tinha de fazer, melhor do que eu. Eu andei perdida durante tanto tempo e ninguém me deu um estalo na cara. O estalo foi-me dado pelo tempo, pela vida. Acordei, comecei a mexer-me e a fazer o que tinha de fazer para me libertar totalmente, para me transformar em mim. Perdi muito tempo. Será que teria perdida todo esse tempo se tivesse recebido a tal orientação e um bocado de tough love? Não sei. Não é importante agora. Agora está tudo bem. 
Agora guardam-se memórias, tiram-se conclusões sobre as razões de sermos como somos e, de certa maneira, culpa-se os pais. Eu nos os quero culpar. Sempre foram duas crianças a lidar com a vida e será assim para sempre. Se um dia tiver filhos, sei exactamente como não vou ser com eles, que atitudes não vou ter e como quero lidar com os desafios que educar alguém impõe. É difícil. É muito mais difícil do que se imagina e, independentemente dos livros escritos, ninguém sabe bem o que está a fazer. Por isso digo, sei o que não vou fazer. O resto é surpresa. É importante que a pessoa com quem escolhemos fazer bebés tenha ideias e ideais parecidos com os nossos, para que se trabalhe em equipa. Acho que em equipa tudo vale a pena. Se os pais souberem conversar, discordar e rir sobre o ser que estão a ajudar a crescer, tudo se torna mais fácil e fluído. Se um dia tiver bebés, gostava que fosse com uma pessoa que queira também formar essa equipa comigo, que saiba gozar com o puto e com as nossas falhas, que veja as coisas a sério, mas também a brincar. Isto é tudo um jogo onde não se conhece o final. Que se aproveitem bem os desafios. 

Comecei a escrever sobre a minha máquina de escrever, não foi? Uma coisa leva à outra e de repente estamos numa outra Ebene de ideias e assim, sem saber ler nem escrever, a cada dia que passa consigo explicar melhor a minha tatuagem. 

domingo, maio 29, 2022

segunda-feira, maio 23, 2022

A boleia

Um semi-estranho a conduzir o carro.

Olhamos um para o outro através do espelho retrovisor. 

Ele põe boa música a tocar no rádio. 
Mexe-se da mesma forma que eu quando gosta do que ouve. 
Canta. Mexe a cabeça. Olha para mim.
Eu quero mexer-me também.

Evito. 
Conheço as músicas todas. 
Não posso alimentar a química, vá. Não pode ser. 

Ele conduz muito depressa.
Pára, não tenhas pressa, mas vai. 
Gosto de sentir a velocidade. 

Faz-me uma pergunta para eu responder com uma piada e fazer-te rir outra vez.
Não, não. Não sorrias assim. 

A mão no volante.
Os olhos atrás dos óculos escuros.
O cabelo descuidado.
A mão no volante.
O sorriso.

A tua mão no volante.

E eu aqui atrás. 
Em guerra contra a vontade de pôr essa mão em mim.

quinta-feira, maio 12, 2022

Inquieta

 "O destino, quando lhe dá para aí, é capaz de escrever por linhas tortas e torcidas tão bem como Deus, ou melhor ainda."

Que se fodam os pensamentos alheios. Que se fodam ideias sobre mim. Que se foda quem não me viu. Que se fodam obrigações que achamos serem impostas. Que se foda se perco tempo perdida em mim. Que se foda o aspecto, a roupa da cama e as cores que não agradam a todos. Que se foda esconder-me. Que se foda que não gostes do meu gosto musical. Que se fodam os livros que não li, os assuntos sobre os quais não tenho opinião formada. Que se foda evitar dizer merdas com medo que não gostem. Que se foda achar que sou insegura. Que se foda quem não me acha piada. Que se foda tudo o que não importa. Que se foda também o que importa, porque inevitavelmente chega um dia em que deixa de importar. Que se foda quando bebo demasiado vinho. Que se foda que os vizinhos me oiçam a cantar. Que se foda quando oiço música de ir ao rabo. Que se foda se fui demasiado intensa, que se foda a ideia que passo, que se foda o que dizem. Que se foda a marca que deixo nas pessoas. Que se foda se não deixo marca nenhuma. Que se foda tudo o que foi. Que se foda o que podia ter sido. Que se foda não ter dito o que devia. Que se foda o tempo que demoro até ser eu com alguém. Que se foda não acreditar. Que se fodam as mensagens, os telefonemas e as cartas que se extraviaram. Que se foda o tempo que passa. Que se foda não estar preparada. Que se fodam as conversas sobre bebés. Que se foda o corpo cansado. Que se foda fugir. Que se foda evitar. Que se foda perder tempo. Que se foda não ver. Que se fodam as ligações especiais. Que se fodam os cabelos espalhados pelo chão. Que se foda a garrafa de água vazia. Que se foda o saco de boxe. Que se foda a roupa espalhada pelo quarto. Que se foda se pinto mal. Que se fodam as apps. Que se foda ter sempre a mesma conversa. Que se foda a roseira que quer morrer. Que se foda ter medo de dizer não. Que se fodam os cheiros que nos levam em viagens no tempo. Que se foda o tempo que estou a demorar a ler o livro. Que se fodam os poemas que não compreendi. Que se fodam os armários da cozinha. Que se foda a barata que queria entrar comigo no prédio. Que foda quem olha para mim. Que se fodam os números. Que se foda o calor. Que se fodam as almofadas a mais. Que se foda que o mercado esteja em baixo. Que se fodam os gráficos. Que se fodam os elefantes. Que se foda o telemóvel. Que se foda este computador. Que se foda a roupa para o casamento. Que se fodam os sapatos que ainda não comprei. Que se foda a transformação. Que se foda a guerra. Que se foda o amor. Que se foda a aranha que se atrapalhou e caiu. Que se foda a coerência. Que se fodam as ilusões. Que se fodam as opiniões. 

 "O destino, quando lhe dá para aí, é capaz de escrever por linhas tortas e torcidas tão bem como Deus, ou melhor ainda" 

O resto? 

Que se foda. 

segunda-feira, maio 02, 2022

Chave do Euromilhões?

6.

13.

15.

18.

27.

O mês especial sempre foi Maio. 

29 dias para uma possível descoberta de estrelas. 


History in reverse.

segunda-feira, abril 25, 2022

Eos

Se existe alguém que pode personificar o alvorecer agora - és tu. 

domingo, abril 24, 2022

Metamorfose


Ideias formam-se na minha cabeça enquanto caminho pelas ruas, pelos jardins e pelas florestas. Penso sempre que me vou lembrar da intermitência que me chamou a atenção num momento mais oportuno para escrever sobre ela. Raramente acontece. Raramente me lembro. 

Sentada na relva ainda húmida, Ella fechou os olhos e deixou-se ser invadida pela inevitável paz que aquele sítio lhe transmitia. Pegou no caderno e começou a escrever sobre triângulos inacabados. Um cisne foi-se aproximando lentamente. Parou e ficou a olhar para Ella, deixando-se flutuar na água. Ella estava dentro de um videoclipe. O cenário cinematográfico e a música que estava a sair dos auriculares nos seus ouvidos tornou aquele momento idílico. O cisne começou a nadar e Ella sentiu que tinha de o seguir. Atravessou todo o jardim. Observou as árvores, o sol a querer penetrar por entre as folhas e os diferentes tons de verde que os seus olhos reconheciam. 

O cisne saiu da água e foi ter com Ella. Ficaram muito tempo a olhar um para o outro. Nem o cisne, nem Ella se mexiam. Às vezes não precisamos de palavras. Basta olhar para as cores e para as mensagens que quem se cruza connosco traz. O cisne trazia consigo leveza, luz, romance, melancolia, transformação e poesia no movimento. Tal animal majestoso trouxe consigo todas as verdades que Ella precisava de ouvir naquele momento. Chegou carregado de algo tão profundo que Ella não conseguiu compreender inteiramente. Quando lhe ia perguntar se o que estava a acontecer era real, o cisne bateu as asas e voou para longe sem olhar para trás. 

Ella formou um casulo no sítio onde foi abandonada pelo cisne. O paradeiro do cisne não se sabe e reza a lenda, que Ella nunca mais saiu do casulo. 

Lendas rezam-se, sim, mas ninguém sabe que uma mariposa branca pousou ontem no meu braço. 

segunda-feira, abril 11, 2022

Não se dorme, divaga-se

Sempre gostei de observar o aparecimento das letras e consequentemente das palavras enquanto escrevo. Parece magia. A possibilidade de transportar um pensamento para uma página e perpetuá-lo. É mágico. Gosto mais de escrever em papel, mas às vezes apetece-me ouvir o "clic clac" das teclas quando tudo está em silêncio.

Venho aqui a esta hora tardia, porque não consigo dormir. Devias evitar olhar para o ecrã do computador então, Joana. Sim, já sei isso tudo. Hoje é uma daquelas noites em que sei que não vale a pena insistir. Não me acontece muitas vezes, mas hoje sei que preciso disto. Preciso de fugir do dilúvio de reminiscências que as sinapses me estão a entregar e tentar partir para outras ideias. 

Isto foi desencadeado pelo filme que comecei a ver. Não, não foi só o filme. O filme ajudou porque me revi. Foi desencadeado pela decisão que tomei. Uma decisão que tinha de ser tomada mais cedo ou mais tarde. Eu acho que veio tarde. Que parva que sou. Que parva que fui. Ingenuidade? Talvez também um bocado. Acho que esperava mais de mim. Como é que depois de apenas um simples acontecimento perdi o equilíbrio da maneira que perdi? Não sei. Gostava de ter sentido as coisas de uma maneira menos infantil. Mas será que tinha sido tão genuíno como foi, se não tivesse agido apenas com o lado emocional? Por muito que me custe admitir, sei que tudo o que aconteceu não podia ter acontecido de outra forma. 

Os sentidos novos que ando a encontrar vão ser a alavanca para isto tudo mudar. Não vou cometer o mesmo erro de há uns anos atrás. Por muito pouco, não me deixei afogar. Estava-me a deixar ir agora, bem lá para o fundo, por isso é que precisei do ecrã. Do corte. 

Só mais um dia e vou voar. Voar daqui para fora, mudar de cenário. Outros cenários dão-me sempre a possibilidade de enraizar mais as ideias novas ou descobrir o que realmente preciso de fazer para avançar para onde quero. Há uns meses tive uma mudança de perspectiva em relação ao que gostava de construir daqui para a frente e é nessa direção que quero ir, porque pela primeira vez em muito tempo tenho uma certeza. Fui sempre fazendo as coisas no limite. Agora não quero que seja assim, mas para isso também tenho de parar de fazer merdas que me mantém acorrentada a abstrações que não passam de falsas crenças. Temos constantemente falsas crenças e damos significados às coisas que fazem com que seja muito mais difícil desprendermo-nos delas. Acreditamos e agarramos uma ideia por causa do significado que lhe atribuímos. A maior parte das vezes, o significado atribuído a algo, não passa de uma fabricação da nossa cabeça - que só está dentro da nossa cabeça, ou seja, não nos define! Estes produtos da nossa cabeça, podem então ser modificados quando nós quisermos, quando nós decidirmos e quando formos capazes. Há significados mais difíceis de transformar do que outros obviamente, mas acho que o poder está em saber que existe a possibilidade de o fazer, que não estamos entregues e ancorados a traumas do passado ou a determinadas ideias sobre nós próprios. Cada momento novo é um momento novo e nós podemos escolher quem queremos ser a partir de cada novo momento que criamos para nós. Temos de transformar os significados que demos a determinados acontecimentos, ou até a pessoas, para podermos realmente avançar com a cabeça resolvida ("não tenhamos pressa, mas não percamos tempo"). Se todo este processo fosse fácil, eu não estava a escrever sobre ele às 3h23 da manhã. 

Por agora chega. Vou tentar processar o resto das ideias a uma hora mais sã. Talvez o faça no avião. Sim, dentro do avião existe um tempo que não existe. Perfeito para divagações da madrugada.